O futuro da Revista Desvio

Querides amigues e leitores da Desvio,

Temos boas novas sobre o futuro da Desvio!

Agora a Revista Desvio está incorporada a um projeto de extensão da Escola de Belas Artes da UFRJ! 🎊🎉

Achamos importante explicar o que motivou essa mudança para o nosso público:

Para quem não sabe, a Revista Desvio nasce justamente no âmbito da EBA-UFRJ através do interesse discente em construir uma publicação de graduandos para graduandos. O projeto então ganha força, lança sua primeira edição e caminha a passos largos, produzindo inclusive novos projetos como o PEGA, grupos de pesquisa, entre outros.

Com o passar do tempo, a Revista Desvio tornou-se independente, incorporando discentes de outras universidades do Brasil e conquistando novas possibilidades.

Porém, a manutenção da Revista – tanto enquanto produtora de conteúdo como na questão financeira – pesava principalmente para três pessoas inicialmente, e atualmente para duas. Todos os processos, problemas e responsabilidades da Desvio ficaram na mão de seus diretores (Gabriela e João) e, mesmo sendo um projeto voluntário, onde, como já falamos muitas vezes, nenhum membro nunca recebeu nenhum retorno financeiro, os ônus sempre vieram de maneira muito mais efetiva do que o bônus: cobranças excessivas quando alguma edição atrasava ou quando algum artigo, por qualquer motivo que seja, não era publicado; críticas igualmente duras quando realizávamos ações gratuitas e sorteios, e os não-contemplados não ficavam satisfeitos com o processo; muitas mensagens com outras cobranças absurdas e, em muitos casos, dolorosas, etc. É importante dizer que as cobranças existiam de todos os lados: a equipe voluntária não tinha como dispor de mais tempo e os leitores e/ou acadêmicos queriam sua publicação em um prazo específico por diversos motivos – seja para compor um currículo ou simplesmente para ter o seu artigo publicado naquele ano, para contar produção. Aqui colocamos em pauta um primeiro alerta: todo o processo é realizado por pessoas que dispuseram o seu tempo, seja aquele que enviou o texto para a publicação ou aquele que avaliou, revisou, diagramou e coordenou o processo, mas para nós, que ficamos no meio do processo de organização geral, sobrava muita insatisfação e cansaço de todos os lados para administrar, de modo que isso começou a tornar-se um peso. Não existia mais o mesmo prazer em produzir a Desvio, era uma obrigação automática excessivamente regada de críticas e acusações de todos os lados. Importante destacar que as oficinas que realizávamos pela Desvio eram prioritariamente para conseguir pagar os gastos com a Desvio, advindos prioritariamente do pagamento do site e dos gastos com exposições, com isso, vendíamos mais uma força de trabalho para a manutenção do projeto, posto que a equipe não poderia mais manter, por conta própria o projeto, e ressaltamos que os gastos vieram de nossos próprios bolsos muitas vezes. Vale aqui um comentário até divertido: em muitas ocasiões, recebemos muitas dicas, tais como concorrer a projetos, participar de editais, buscar apoio, etc, e tudo isso foi feito, conseguimos alguns editais, mas é válido ressaltar que tudo demanda tempo, e precisamos publicar as edições, no mínimo, duas vezes ao ano, realizar o PEGA, administrar todos os processos e redes sociais e trabalhar para pagar as nossas próprias contas (e algumas vezes as da Desvio), com isso, muitas vezes não tínhamos tempo suficiente para realizar tantas coisas. Com isso, reiteramos que é de suma importância que dicas contemplem apoio efetivo para a realização delas. Finalmente, em 2022, passamos por uma situação que foi crucial para a nossa decisão de estabelecer a Desvio em um novo espaço institucional, e com isso, em conversas gentis e receptivas como muito tempo não tínhamos, conseguimos um excelente contato com a Escola de Belas Artes que nos abriu as portas para “reabrigar” a Desvio. Para nós, é um alívio, uma alegria e também um certo pesar, mas que fica em segundo plano diante dessa maravilhosa oportunidade.

Deixamos aqui um último recado: projetos independentes precisam de apoio para permanecer por muito tempo, e o apoio não é só financeiro, mas afetivo e cuidadoso, por isso, valorizem imensamente os projetos independentes e aqueles que lutam pela manutenção deles. Nós vemos agora em um mar de novas possibilidades e com um caminho mais leve a se trilhar!

Abraços da Gabriela e do João.

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DÉCIMA TERCEIRA EDIÇÃO DA REVISTA DESVIO

Décima Terceira Edição da Revista Desvio

Ano 7 | n. 3| Dezembro 2022

PDFs:
Capa

Expediente | Equipe

Sumário

Texto Editorial

Ensaio | VELÁZQUEZ ATRAVÉS DO ESPELHO: REFLEXÕES E REMONTAGENS por Alynne Cavalcante Bezerra da Silva

Artigo | A ICONOCLASTIA DENTRO DO SISTEMA DA ARTE COMO DEMANDA DE REVISÕES HISTÓRICAS E HISTORIOGRÁFICAS por Ana Carla Soler

Artigo | CONSTRUINDO UMA NAÇÃO INVENTADA CHAMADA BRASIL por Eduardo Madeiro Bastos de Santana

Artigo | O PERIGO DA HISTÓRIA ÚNICA: A IMPORTÂNCIA DE UM ENSINO DE LITERATURA DECOLONIAL NO BRASIL por Laura Zanon Irineu e Josiele Kaminski Corso Ozelame

Artigo | ARTE AMERÍNDIA: ARTEFATO, ARTE E AGÊNCIA, PERSPECTIVISMO AMERÍNDIO E REPATRIAMENTO por Lucas Vinícius Rocha de Araujo

Página Dupla – Guilherme Kid / Leandro e Silva

Artigo | EXISTE UMA TENDÊNCIA ECOLÓGICA NAS ARTES VISUAIS PARAIBANAS? por Walter Arcela

Relato de experiência | DIGITALIZAÇÃO E CATALOGAÇÃO DO ACERVO DE JORNAIS DO CENTRO DE MEMÓRIA SOCIAL (CMS) UEMG/PASSOS por Mariana Gabriela Borges Matos da Silva

Relato de experiência | ARQUIVO VIVO: UMA EXPERIÊNCIA DE CORPO POLÍTICO NO ESPAÇO PÚBLICO por Ribamar Ribeiro

Entrevista | MÓ COLETIVO por Clarisse Gonçalves

Ensaio | O MUSEU PRIVADO SEM FINS LUCRATIVOS, UM EXBOÇO DO CASO MAM-RIO por Natália Quinderé

CADERNO ESPECIAL

Texto Editorial

Artigo | A ÁREA DA CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E POLÍTICA por Patricia Riggo Cordeiro

Artigo | CONSERVAÇÃO EM BIBLIOTECAS: OS LIMITES DA HIGIENIZAÇÃO DE OBRAS RARAS por Fabiana Moreira de Almeida e Lucas Valdez da Paz Ramos

Artigo | UMA BREVE INTRODUÇÃO AOS PLÁSTICOS NAS ARTES por Diana Bulcão Duarte Simões

Artigo | COMO PRODUZIR PRESENÇA NA AUSÊNCIA: RELATOS DE PESQUISAS SOBRE O CAVALETE DE VIDRO DO MASP por Luiza Batista Amaral

Artigo | QUEM TEM TEMPO PARA PRESERVAR O CONTEMPORÂNEO? por Carolina Lewandowski

Crítica | “HAPPY BIRTHDAY MR. PRESIDENT” E OS NÃO-LIMITES DO PODER por Gabriela Lúcio de Sousa

Dossiê | “REGULAMENTAÇÃO DE CONSERVADOR-RESTAURADOR DE BENS CULTURAIS MÓVEIS E INTEGRADOS: PANORAMA GERAL” por Gabriela Lúcio, Mariana Onofri, Lupehuara Zevallos e Carolina Lewandowski

ARTISTA DA CAPA

DÉCIMA SEGUNDA EDIÇÃO DA REVISTA DESVIO

Décima Segunda Edição da Revista Desvio

Ano 7 | n. 2| Novembro/Dezembro 2022

PDFs:
Capa

Expediente | Equipe

Texto Editorial

Sumário

Artista da Capa | Ana Hortides

Artigo | Medicamentos Poéticos por Adeilma Costa

Artigo | Encarnada: Uma relação multiespécie por Sofia Mussolin

Artigo | A lenda [Eu também sou uma bixa intelectual como minha amiga Marcel Couto] por Tulio Sousa Costa

Artigo | Corpo escrito: Memória e voz do feminino por Kamila Costa

Artigo | Ecos: Uma proposta de contato entre política e estética por Maria Piedade

Artigo | O sequestro do cinema: Táticas de aprisionamento Hollywoodianas e possíveis fugas através da arte contemporânea por Crystal Duarte

Artigo | Breve panorama da arte pré-histórica africana por Augusto Henrique

Página Dupla | Luana Carvalho e Vitor Martins

Artigo | Impressão: Claude Monet e os parâmetros modernos na imprensa carioca no século XIX por Beatriz D’Aiuto Eckhardt

Artigo | Museus Serpentes: Imaginando uma museologia entre mundos por Sara da Silva Uliana

Artigo | Vacas na terra de Makunaíma: uma análise iconológica da figura bovina em Jaider Esbell por Matheus Dal Bem

Artigo | Entre o muro e a encruzilhada, as brilhetes de Anchieta (des)organizam por Sabrina Dias Veloso

Artigo | O corpo feminino na fotografia de Helmut Newton: a questão da representatividade, do olhar e da performance de gênero por Luisa Melo Guerrero

Artigo | Visualidades, espaços e janelas: Significando elementos e compartilhando significados antes e durante a pandemia por Renan Battisti Archer

Artigo | Sim é nossa história! por Fabrício Dias Medeiros

O museu privado sem fins lucrativos, um esboço do caso MAM-Rio

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Promoções (dobra), 2019, Maria Palmeiro[1]

No dia 31 de janeiro de 2022, jornais e revistas publicaram reportagens com manchetes similares, entre as quais “MAM: diretor do museu pede demissão após divergências com o conselho”.[2] O diretor executivo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Fabio Szwarcwald, justificava publicamente seu pedido de demissão do cargo por divergências inconciliáveis com o conselho administrativo do museu em relação aos gastos do fundo patrimonial – criado com a venda, em 2019, da pintura No 16 (1950), de Jackson Pollock. Os desentendimentos, argumentava Szwarcwald, o teriam impedido de desenvolver ou dar continuidade a projetos institucionais.

No dia 2 de fevereiro de 2022, era a vez de o conselho de administração do museu – Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand (presidente), Armando Strozenberg, Eliane Aleixo Lustosa de Andrade, Eugênio Pacelli de Oliveira Pires dos Santos, João Maurício de Araújo Pinho Filho, Livia de Sá Baião, Luiz Roberto Sampaio, Nelson Eizirik e Paulo Albert Weyland Vieira[3] – lançar nota pública confirmando o pedido de demissão de Szwarcwald. O conselho afirmava ter deliberado, em 14 de setembro de 2021, sua saída da diretoria executiva, convidando-o a ocupar a diretoria de relações institucionais. Paulo Albert Weyland Vieira teria assumido seu lugar interinamente e, com a saída definitiva de Szwarcwald, foi anunciado como o novo diretor executivo da instituição. Vieira é sócio fundador do escritório de advocacia Vieira-Rezende, colecionador e “o primeiro brasileiro a integrar o conselho da Tate Modern, em Londres” – lê-se na página de sua firma.

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Quanto se paga para participar do conselho da Tate Modern?

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No estatuto do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,[4] lê-se que os associados seniores deverão “contribuir financeiramente com o Museu, nos valores que vierem a ser estabelecidos pela Assembleia Geral, em montante não inferior a 15 mil reais anuais, ou colaborar de outra forma igualmente relevante, a critério da própria Assembleia Geral.” Na moeda corrente das feiras de arte, 15 mil reais seriam aproximadamente 3 mil dólares. Quais obras são compradas por colecionadores por esse valor em feiras de arte no Rio, em São Paulo e mundo afora? Um membro do conselho do Metropolitan Museum of Art (MET), em 2010, deveria desembolsar inicialmente 10 milhões de dólares para conseguir um assento com direito a voto – aproximadamente 50 milhões de reais. Os valores pedidos pelo MoMA não ficam longe dessa soma e variam entre 5 e 10 milhões de dólares.[5] É verdade que nem todos os membros dos conselhos estadunidenses são obrigados a pagar essas quantias estratosféricas. Artistas, por exemplo, não precisam desembolsar nada. Em outros casos, como no da comissão de acervo do Whitney Museum, membros podem contribuir na compra direta de obras de arte para o acervo da instituição.[6]

De volta ao Brazil, aterrissamos no Masp. A contribuição anual mínima obrigatória para cada conselheiro ou diretor do museu, segundo seu estatuto, é de 45 mil reais – três vezes o valor da contribuição prevista para o MAM. Quando um conselheiro assume seu assento pela primeira vez, deve pagar 90 mil reais, ou seja, o dobro do valor da contribuição mínima estabelecida. Além disso, no estatuto do Masp, também está prevista a possibilidade de que no máximo três diretores sejam liberados da contribuição mínima, bem como 25% do número total de conselheiros. A isenção é votada em assembleia geral, sendo dever do diretor ou conselheiro isento contribuir de outra forma para a instituição.[7]

No MAM-Rio, além da doação mínima de 15 mil reais anuais, a entrada no quadro de associados seniores (composto por, no máximo, 15 pessoas) é feita por indicação de pelo menos outros cinco associados seniores e de aprovação em assembleia geral. Esse grupo de pessoas autoindicadas participa dos processos decisórios do MAM-Rio, como, por exemplo, eleger representantes para seus órgãos associativos; decidir as políticas, diretrizes e normas institucionais; decidir sobre aquisições e venda de obras do acervo, como foi o caso da pintura de Pollock; aprovar o orçamento anual; finalmente, o grupo pode deliberar a extinção e dissolução do museu, a ser votada em assembleia geral.[8] A governança do museu, em 2022, está distribuída entre o conselho de administração (dele faz parte o conselho fiscal), o conselho consultivo (associados seniores e associados plenos), o comitê de investimentos e a comissão de acervo e benfeitores.

Fabio Szwarcwald, até migrar para a gestão de instituições de arte, trabalhou administrando fundos de investimento. Chegou a ser vice-presidente do banco Credit Suisse. Quando foi escolhido, pelo conselho do museu, para assumir a diretoria executiva do MAM-Rio, o colecionador vinha de uma gestão de dois anos e meio (março de 2017 a novembro de 2019) muito elogiada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Sua onipresença na mídia como um “case de sucesso” sinalizava seu prestígio no mundo pré-pandemia. Reverberando esse reconhecimento, na época da divulgação dos novos diretores artísticos do MAM-Rio, Keyna Eleison e Pablo Lafuente – selecionados a partir de uma chamada pública e anunciados em meados de 2020 –, Szwarcwald apareceu em quase todas as reportagens da grande mídia e da mídia especializada ao lado de ambos os curadores, anunciando que ele trouxera os ventos de uma mudança. A dupla, por vezes, parecia uma tríade.

Uma pulga me perguntava: o que Szwarcwald fazia ali entre os novos diretores artísticos? O que sua imagem acrescentava ao anúncio da dupla de curadores escolhidos? A insistente veiculação de sua imagem entre Eleison e Lafuente nos explicaria, em alguma instância, o funcionamento político das instituições contemporâneas de arte tais como o MAM-Rio… “associação sem fins econômicos, lucrativos, político-partidários ou religiosos”?

Claire Bishop (2013), em Radical Museology, nos explica que a lógica de privatização parece ter assaltado os museus e as instituições artísticas ao redor do globo. Se, na Europa, a retirada de dinheiro estatal para enxugar gastos públicos teria feito com que instituições de arte estejam cada vez mais dependentes de doações e de patrocínios corporativos, nos Estados Unidos, o cenário sempre foi este – a dependência do capital privado. Porém, a lógica de privatização, Bishop nos adverte, se teria acentuado bastante nas instituições estadunidenses, com a novidade de não existir mais pudor algum em separar interesses privados e públicos.

Um galerista, Jeffrey Deitch, foi indicado como diretor do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, em janeiro de 2010. Dois meses depois, o New Museum instalava controversamente a coleção do gestor de investimentos multimilionário Dakis Joannou e empregava o artista Jeff Koons – já parte da coleção de Joannou – como curador convidado da exibição. Enquanto isso, é fato bastante conhecido que o Museu de Arte Moderna de Nova York remonta regularmente sua coleção permanente baseado nas últimas aquisições dos membros de seu conselho.[9]

Observando os conselhos administrativo e consultivo do MAM-Rio em 2022, 2018 e 2015,[10] nos damos conta de que seus membros são quase todos colecionadores, homens depois da meia-idade, advogados, banqueiros, administradores de fundos de investimento e herdeiros. Ronaldo Cezar Coelho, por exemplo, membro sênior do conselho consultivo de 2022, se transformou no maior acionista da BR-distribuidora no pandêmico 2021.[11] José Olympio da Veiga Pereira que está nos créditos do conselho consultivo de 2015 e 2018, e, em 2022, é patrono prata do MAM-Rio ao lado de sua mulher, é presidente do Credit Suisse desde 2012 e atual presidente da Fundação Bienal de São Paulo, eleito no final de 2021 para seu segundo mandato. Em reportagem da revista Valor de 2012, Olympio apareceu como integrante dos conselhos da Pinacoteca de São Paulo, MoMA, Tate Modern e do Centre Georges Pompidou por conta de sua importante coleção de obras blue chips[12] – trabalhos em valorização no mercado. Em 13 de outubro de 2020, Olympio e sua mulher foram citados em reportagem da Artnews como os colecionadores recém-apresentados aos trabalhos do artista indígena Jaider Esbell. O casal teria conhecido Esbell quando o artista foi selecionado para integrar a 34a Bienal de São Paulo pelo time de curadores da mostra.[13]

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A imagem de Szwarcwald veiculada na mídia entre Eleison e Lafuente dá corpo e voz ao poder de decisão de homens do mercado financeiro do setor econômico e do judiciário – todos colecionadores brancos – nos conselhos de instituições de arte ao redor do mundo e no Brazil. Em 2013, em um encontro sobre a importância das coleções privadas e de sua relação com a herança compartilhada, os representantes do Museo Reina Sofia naquela ocasião, João Fernandes, Rosario Peiró e Jesús Carrillo, teriam descrito uma virada paradigmática do funcionamento das instituições de arte: do colecionismo estatal em direção ao colecionismo privado. O trio teria também observado que os mesmos colecionadores particulares estariam (cada vez mais) reivindicando sua expertise e a importância de suas escolhas para a história da arte.[14]

Quiçá seja demasiado injusta a comparação dos valores necessários para a participação dos conselhos do MAM-Rio e do MET em Nova York, MoMA, assim como do Whitney Museum. Em termos de mercado global da arte, os Estados Unidos parecem imbatíveis ao representar metade dos colecionadores do mundo.[15] Provavelmente, ali, existe uma disputa mais acirrada para se conseguir um assento nos conselhos de instituição de arte, sendo possível exigir mais dinheiro de cada um dos conselheiros. O que não podemos perder de vista, mesmo com a discrepância dos valores, é que essa virada paradigmática, do poder dos colecionadores privados e de sua entrada nas instituições, também faz parte de nossa realidade… precária. O que nessa virada paradigmática seria específico do funcionamento das nossas instituições? Qual capital simbólico e político a participação nesses conselhos produz? Qual retorno financeiro a participação nesses conselhos traz para cada um de seus membros? É possível mensurar?

A artista estadunidense Andrea Fraser em “L’1%, c’est moi”[16] 1991 informa de onde vem o dinheiro de alguns dos maiores colecionadores de arte do mundo e também explica a relação direta entre o aumento do preço das obras de arte e o aumento da desigualdade. Fraser se pergunta como os maiores colecionadores de arte ganham seu dinheiro? como suas atividades filantrópicas se relacionam com suas operações econômicas? o que significa para eles colecionar e como isso afeta o mundo da arte? Eu perguntaria de maneira mais explícita como a coleção particular de cada um desses colecionadores afeta o que o espectador pode ver (como, onde, quando) e o que o espectador não terá jamais acesso?

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Francisco Bittencourt em “A epopeia de um museu” (publicado no Correio do Povo, de Porto Alegre, em 13 de agosto de 1978) – escrito após incêndio que destruiu quase todo o acervo do MAM-Rio – recorda que desde a escrita do estatuto do museu, redigido pelo advogado Santiago Dantas, a pedido de Niomar Muniz Sodré Bittencourt, teria sido proibida a participação de especialistas, artistas e críticos em cargos de sua direção. Esses cargos deveriam ser “exercidos por pessoas de boa vontade” e sem qualquer tipo de remuneração. Bittencourt descreve:

São órgãos de direção dessa sociedade civil, a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo e a Comissão executiva da qual fazem parte o presidente, dois vice-presidentes, o diretor executivo, o diretor executivo adjunto, o diretor secretário e o diretor tesoureiro. Esta é acomissão que manda no museu e dela já participaram personalidades tão ilustres que nunca puseram os pés no MAM; seu grande trunfo eram as promessas mirabolantes de fundos públicos e privados para a instituição. Pelo estado em que ela se encontrava, pode-se deduzir que as doações prometidas nunca se materializaram.[17]

Na época do incêndio do MAM-Rio o presidente do museu era o cirurgião plástico Ivo Pitanguy (1926-2016). Bittencourt narra a reivindicação da comunidade artística de participar das decisões para a reconstrução do museu incendiado. O cirurgião lhes teria respondido que seus pedidos eram uma demanda bizantina. “Diante do espanto de tal afirmativa, houve um silêncio geral. Mas agora os artistas querem dar um troco no documento que elaboraram: para eles, bizantino é um cirurgião plástico ser presidente de um museu. E termina assim o primeiro round de uma luta que deverá ser longa e áspera”.[18]

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Na época da venda da pintura de Pollock, por decisão do conselho do MAM, muitos artistas, curadores e demais especialistas assinaram um documento se manifestando contra essa venda. Segundo o artista Luiz Zerbini, “A venda do Pollock se dá num quadro de incertezas e falta de transparência sobre como os recursos serão aplicados. Isso não significará a ‘salvação’ do MAM. O dinheiro vai acabar e a solução, dirão eles, será vender outra obra.”[19] A ideia principal com a venda foi a de se criar um fundo para que o museu pudesse ser autossustentável por, pelo menos, 30 anos. Com esse dinheiro explicaram, seria possível melhorar a infraestrutura do prédio e aumentar a coleção de arte brasileira. Apesar da organização de artistas e demais especialistas e da pressão em canais de mídia, o plano do conselho foi levado a cabo. A pintura do Pollock foi arrematada, em 2019, por quase metade de seu valor esperado, 13 milhões de dólares.

A saída de Szwarcwald da direção executiva, em 2021, é justificada pelo montante retirado do fundo criado com a venda do Pollock. O diretor gastou 14 milhões de reais em dois anos, 2020/2021. O uso do fundo de investimento teria acendido o sinal de alerta vermelho nos membros do conselho. Em manchete anunciando a entrada de Vieira como seu sucessor lê-se: “Sob crise no MAM-Rio, novo diretor quer cortar custos sem modificar planos”.[20] Em outra: “MAM do Rio vive nova crise e terá advogado na direção após saída de Szwarcwald”.[21] A solução de Vieira seria enxugar os gastos e utilizar apenas o rendimento do fundo, variável de acordo com as taxas de juros.

No relatório de 2020 do MAM-Rio, estão discriminadas as seguintes fontes de receitas:[22] 69,3% empresas receitas incentivadas; 10,2% empresas receitas livres; 10,1% patronos e associados; 4,4% doe seu IR; 3,5% clube de colecionadores; 0,9% bilheteria; 0,8% eventos; 0,8% lojas. Em números retirados do relatório, 8.771.503 milhões arrecadados de empresas receitas incentivadas; 1,235 milhão de 24 patronos e 48 associados – dividindo irmãmente essa quantia, temos 17.152 mil reais por cabeça; a doação do imposto de renda por pessoas físicas contabilizou 539.050 mil reais; o clube de colecionadores arrecadou 444.830 mil. Do total arrecadado pelo MAM-Rio em 2020, 73,7% é receita de isenção de tributos. Isto é, o estado deixou de arrecadar, repassando esse dinheiro para a manutenção e desenvolvimento de programas de atividades para a instituição. O museu funciona como entidade privada, mas é sustentada em grande parte com dinheiro público, de recursos vindos de financiamento indireto.

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Em 3 de maio de 1948, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro foi criado como sociedade civil sem fins lucrativos ao redor de um grupo de empresários, banqueiros, industriais, um médico, diplomatas, arquitetos, críticos de arte e de literatura, jornalistas, poetas, artistas. A ata de constituição do museu é assinada por 19 pessoas, entre elas, Gustavo Capanema, Raymundo de Castro Maya, Manuel Bandeira, barão de Saavedra, Maria Martins, Quirino Campofiorito, Lúcia Miguel Pereira, Raul Popp, Paulo Teixeira Boavista. A pesquisadora Sabrina Parracho enfatiza que embora a bibliografia sobre a fundação do MAM-Rio valorize a força do capital privado da alta sociedade carioca, na época de fundação do museu era preciso, ao lado desse capital econômico e prestígio social, forjar uma rede de relações para pôr a instituição em funcionamento. Parracho destaca a formação de um grupo não homogêneo ao redor da fundação do MAM e da importância de artistas, arquitetos, jornalistas e críticos de arte em sua construção – “o universo do museu girava, antes de tudo, em torno de colecionadores, críticos e artistas”.[23]

Os colecionadores deveriam emprestar e doar obras para a instituição, ajudar na divulgação do museu, participando dos seus eventos públicos (coquetéis e aberturas de exposições) e de suas assembleias gerais, além de contribuir monetariamente para seu funcionamento. Desde o início, com a organização da sociedade civil, ficou decidido que o museu não seria fonte de renda direta para nenhum de seus fundadores e demais representantes dos comitês. O trabalho para o museu não deveria ser remunerado. Dos deveres dos filantropos, nos anos de fundação, Parracho observou uma forte distinção hierárquica. O grupo era dividido em quatro categorias – beneméritos, titulares, efetivos e fundadores –, com deveres descritos em ata: desde o pagamento de mensalidades, com valores específicos para cada grupo, doações de obra, participação nas atividades institucionais, etc.

Em ensaios publicados quase 30 anos depois da fundação do MAM-Rio, Francisco Bittencourt denuncia a falta de dinheiro permanente da instituição. Em “O acervo do MAM” (publicado na Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, em 28 de fevereiro de 1975), o crítico esclarecia:

O grande problema do MAM é que, sendo uma sociedade civil, sem fins lucrativos, as subvenções federais e estaduais não são obrigatórias nem obedecem a uma rotina quando da aprovação das dotações. Com seu custo operacional elevado, o MAM foi projetado para ser autossuficiente, mas, como todos nós sabemos, a cultura está cada vez mais cara.[24]

Na mesma reportagem, esperançoso, ele afirma que existe uma campanha visando reunir patrocinadores entre o empresariado carioca para as atividades culturais do museu, seguindo um modelo estadunidense de patrocínio privado.

Em 24 de abril de 1975, apenas dois meses depois, Bittencourt repete-se e acrescenta:

Sendo o MAM uma sociedade civil sem fins lucrativos, viveu desde a sua fundação em sucessivas crises econômicas. Era um verdadeiro fracasso financeiro, recebendo algum apoio do empreendimento privado, que só é generoso até certo ponto, e tendo de andar batendo de porta em porta nas repartições oficiais para receber verbas sempre prometidas e nem sempre entregues. Com uma despesa mensal imensa, o MAM chegou assim à beira de insolvência. O prédio tem goteiras e o elevador parou de funcionar por algum tempo por absoluta falta de dinheiro para o conserto. Agora, finalmente parece que as coisas começam a se endireitar, graças à adoção de um planejamento rigorosos e aos métodos racionais de administração. Os jornais anunciaram há poucos dias o encontro da diretora executiva do MAM, Heloísa Lustosa, com o novo governador do estado, e tudo indica que o imprescindível auxílio financeiro oficial desta vez não faltará.[25]

O MAM sofreria o incêndio em 8 de julho de 1978. Três anos depois de uma série de ensaios de Bittencourt relatando a falta de financiamento privado e público para o bom funcionamento do museu, com relação tanto à manutenção de sua infraestrutura quanto à continuidade de sua programação e à impossibilidade de aquisição de obras para seu acervo. O interessante nesses relatos é perceber a falência da iniciativa privada em manter o museu, além dos possíveis entraves causados pela criação da sociedade sem fins lucrativos nos repasses de financiamento estatal. Bittencourt não foi o primeiro a escrever sobre as dificuldades do MAM-Rio.

Mário Pedrosa, em 24 de julho de 1958, escreve carta a Oscar Niemeyer, afirmando que tanto o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro como o de São Paulo, apenas com dez anos de existência, e apesar do trabalho árduo de suas direções, já sentem os efeitos da falta de dinheiro – especialmente, na impossibilidade de se construir uma coleção de arte de moderna.[26] Cinco anos mais tarde, Pedrosa escreveria uma crítica sobre a dissolução da sociedade civil, Museu de Arte Moderna de São Paulo, por seu presidente e fundador Ciccillo Matarazzo. O empresário teria decidido em assembleia extraordinária entregar o acervo e os bens do museu à Universidade de São Paulo, pois, depois de uma busca incansável, não se encontrou nenhuma entidade pública ou privada, ou pessoa que assumisse as contas do museu.

Naquela época, Matarazzo direcionara suas energias e esforços para organizar a Fundação Bienal de São Paulo, que, em seus primeiros anos de funcionamento, esteve atrelada à sociedade civil, MAM-SP. Pedrosa sugeriu tornar a Bienal uma fundação pública, sustentada por verbas do governo federal, estadual e municipal, e atrelada administrativamente ao museu, mas Matarazzo não seguiu o conselho do crítico. A Bienal se tornou uma fundação privada, e Matarazzo se autonomeou presidente.

O presidente Matarazzo, conforme sua espontânea deliberação, assumiria a presidência da Fundação Bienal e passaria o museu a novas mãos. Começa aqui a via crucis do museu. Durante longos e agonizantes meses, procurou-se quem, entre banqueiros, industriais, homens de posse, empresas industriais, de informação, quisesse ficar com o legado de Ciccillo Matarazzo. Foi baldada essa procura, não se encontrando um substituto para aquele cidadão. Hoje estamos aqui reunidos, no fundo, para testemunhar um dos malogros mais escandalosos e mais triste da chamada iniciativa privada no Brasil.[27]

Apesar da doação do acervo do MAM para um órgão público, na visão de Pedrosa, diferentemente de lojas e botequins, museus não podem fechar. Há um prejuízo coletivo. Daí seu pesar, sua crítica… O apoio da iniciativa privada para manter o museu seria uma maneira de redistribuir as riquezas acumuladas e produzidas pela elite do país. Um dever imperativo desse grupo minoritário para libertar, em parte, o Estado da função de controlar e manter os bens culturais (e espirituais). Mas seu depoimento em tom crítico às classes abastadas – “entre o escritório, o último Jaguar caríssimo (ou Mercedes, que sei eu), o cavalo de corridas” – crê na importância do apoio financeiro privado, na década de 1960, para o desenvolvimento e manutenção das instituições de arte no país.

Por outro lado, as críticas de Francisco Bittencourt sobre o MAM-Rio, de meados da década de 1970, descrevem sua descrença na reunião de um grupo aristocrático, seleto e autogerido, na organização do museu, sem a inclusão de artistas e demais especialistas. Os ataques, publicados em jornais, são inúmeros e anteriores ao incêndio, atingindo as condições precárias de outras instituições cariocas. Neles, Bittencourt também escreve suas preocupações com a falta de verba pública regular. Seus textos (e o depoimento de Pedrosa sobre dissolução do MAM de São Paulo) são testemunhos dos imbróglios presentes no casamento entre o público e o privado, na fundação de ambos os museus de arte moderna do Rio e de São Paulo: o laço entre capital privado, prestígio social, dinheiro do Estado e a função, primordialmente, pública de um museu e de demais instituições de arte.

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De lá para cá, com a “abertura política”, temos navegado na financeirização econômica. São quase 40 anos! A financeirização, par ideal do valor flutuante das obras de arte, acirrou ainda mais algumas das condições sinalizadas por Bittencourt na década de 1970. Manuel Borja-Villel, diretor do Reina Sofia e um dos curadores da próxima Bienal de São Paulo, ao lado de Grada Kilomba, Hélio Menezes e Diane Lima – recém-anunciados pelo banqueiro, colecionador e presidente da Fundação José Olympio –, em conversa com Charles Esche, diretor do Van Abbemuseum, afirmava, em 2012, que as instituições de arte são controladas por seus conselheiros, políticos, financistas e colecionadores. A lógica desses grupos, argumentou o curador, estaria apoiada em valores tradicionais da obra de arte, como a escassez. Obras construídas, de um lado, sob a égide colonial (o tesouro de uma nação) e, de outro, por seus valor monetário. Se uma artista presente em uma coleção particular tem obra exposta no Reina Sofia, seu trabalho na coleção privada passa automaticamente a valer mais.

Além do controle institucional, Borja-Villel cita uma situação pragmática da relação entre o público e o privado presente nas instituições de arte:

quanto mais pesquisamos, mais produzimos exposições, mais inflacionamos diametralmente o mercado. Lygia Clark é um bom exemplo. No início da década de 1990, poucas pessoas se interessavam por seu trabalho, especialmente, pós-1964. Os museus, porém, começaram a pesquisá-lo, porque alguns de nós acreditavam que era uma prática importante e radical. Agora, haverá uma exposição de seu trabalho no MoMA de Nova York e tenho a certeza de que as pessoas verão como uma chance de inflacionar seus preços, e as obras anteriormente consideradas sem valor de mercado, como seu trabalho terapêutico, passarão repentinamente a ter valor. Nós consolidamos a importância de uma artista e não teremos mais acesso às suas obras. Fiz uma exposição de Lygia Clark na década de 1990 que provavelmente seria impossível agora. Simplesmente não teria mais como bancá-la. Construímos, assim, nossas próprias armadilhas.[28]

O comentário de Borja-Villel sobre a impossibilidade de montar uma exposição de Lygia Clark, pós-exposição no MoMA, por conta de uma valorização do trabalho da artista, nos lembra das especificidades do comércio da arte. Para Pierre Bourdieu, seria o “comércio das coisas de que não se faz comércio”.[29] As transações econômicas só funcionariam “mediante um recalcamento constante e coletivo do interesse propriamente ‘econômico’ e da verdade das práticas desvendadas pela análise ‘econômica’”.[30] O curador do Reina Sofia se coloca como parte da engrenagem – aproximando-se do que Bourdieu, em 1972, chamara de o “círculo da crença”. É a força de trabalho de curadores, historiadores, expógrafos, produtores, críticos, pesquisadores, arquitetos, etc. dentro e ao redor das instituições que ajudaria a determinar o valor de um trabalho de arte específico, além de consagrar, no mercado, a obra de uma determinada artista. Daí a importância, por exemplo, na fundação do MAM-Rio, ainda em 1948, da presença de pessoas do setor terciário, para além de colecionadores, dando corpo, vida e voz ao museu do Rio de Janeiro.

A paisagem desenhada por Borja-Villel e outros[31] do domínio do colecionismo privado e do mercado nas instituições e museus de arte estaria tanto na impossibilidade de tornar público um importante corpo de trabalhos quanto na aquisição de obras para seus acervos, e, finalmente, no domínio da narrativa histórica. A colecionadora e historiadora de arte Marta Gnyp mapeia o crescimento vertiginoso de museus e espaços de arte de colecionadores privados ao redor do mundo, desde a virada do milênio. Dos 216 espaços e museus de arte listados em 2013, 167 teriam surgido na virada do milênio – como o Punta della Dogana do bilionário francês François Pinault, a instituição em forma de proa em Veneza, reformada pelo arquiteto Tadao Ando. Segundo Gnyp, o crescimento abrupto de museus e espaços privados se deveria ao acúmulo de capital dos chamados UHNWIs [Ultra-high-net-worth individuals]. “Indivíduos de valor útil ultraelevado” são pessoas com um patrimônio líquido de 30 milhões de dólares e além.

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André Esteves, presidente do banco de investimento BTG Pactual, é um desses indivíduos de valor útil ultraelevado. Está na posição 638 do ranking da Forbes, com fortuna avaliada em mais de 5 bilhões de dólares. Em outubro de 2021, a TV 247 vazou um áudio de uma reunião de André Esteves com clientes do seu banco. No vazamento, o banqueiro tece sua influência nas decisões do governo, especialmente, nas políticas financeiras. Um dos sócios fundadores do banco é Paulo Guedes, nosso atual ministro da Economia. O BTG pactual bateu recorde de 6,493 bilhões em 2021, com lucro de 59%.

A pobreza também alcançou recordes no país, nesse mesmo período. 30% das famílias das classes D e E passaram fome durante a pandemia, segundo dados do Ibope e Unicef. Além disso, o aumento da pobreza extrema deu sinais de avanço aqui e ao redor do mundo. A pessoa está em condição de pobreza extrema, segundo categorização do Banco Mundial, quando sua renda per capita é inferior a 151 reais.[32] Ainda que nosso governo federal contabilize alguém em situação de extrema pobreza com renda per capita de 89 reais, ou seja 62 reais a menos que o Banco Mundial, o país continuou batendo recordes. Em maio de 2021, 14,5 milhões de famílias, aproximadamente 40 milhões de pessoas, estavam registradas no cadastro único do governo, vivendo em extrema pobreza, na oitava economia do mundo.[33]

Em 13 de dezembro de 2021, uma nota de jornal anunciava a compra de 38 obras da coleção de João Sattamini (1935-2018) feita por André Esteves. O banqueiro quer fundar um museu de arte concreta em São Paulo – localizado nos jardins, onde teria comprado um terreno.[34] No conjunto de obras vendidas, diz-se, há trabalhos de Lygia Clark, Hélio Oiticica e Aluísio Carvão.[35] As obras de Sattamini vendidas para Esteves são parte da coleção que se encontrava em regime de comodato no Museu de Arte Contemporânea de Niterói. O MAC foi inaugurado em 1996, com projeto de Oscar Niemeyer, para abrigar a coleção do empresário de café. A coleção particular de Sattamini é a causa da existência do museu.

Da relação entre empresário e órgãos públicos da cidade, as crises são públicas. Em 2014, Sattamini ameaçou quebrar o contrato de comodato e retirar do museu sua coleção de mais de 1.200 obras por conta das condições precárias das instalações do acervo, sem seguro nem espaço suficiente para os trabalhos. Na matéria de jornal de Audrey Furlaneto, o colecionador dizia que embora as peças mais valiosas fossem guardadas em sua casa, elas ainda eram cuidadas pelos funcionários do museu: “De vez em quando, o pessoal de Niterói vem aqui. Uma das coisas boas de Niterói é que eles têm muito bons museólogos, e isso substitui a apólice de seguro. Aqui está mais seguro do que lá. Lá está lotado”.[36]

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Em matéria do Correio da Manhã, de 2 de fevereiro de 2022, lê-se que a gota d’água para o afastamento de Fabio Szwarcwald do Museu de Arte Moderna do Rio “teria sido a decisão de Carlos Alberto Chateaubriand, gestor anterior, de retirar boa parte do inestimável acervo de seu pai do MAM, diante de tantos gestos desprovidos de noção”.[37] O MAM-Rio tem, em regime de comodato, uma importante coleção de arte contemporânea brasileira, a coleção Gilberto Chateaubriand. Segundo o site do museu, são cerca de 6.621 obras que atravessam as décadas de 1950, 1960, 1970 até os dias de hoje. A parceira está firmada desde 1993. Quando voltamos ao quadro de governança do MAM-Rio percebemos que Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand é presidente do Conselho de administração do museu e, além disso, faz parte da comissão de acervo da instituição.

Em 2018, nas diferentes mídias que explicam a crise orçamentária do MAM-Rio, Alberto Chateaubriand sai em defesa pública da venda do Pollock. A pintura No 16 foi um presente do magnata estadunidense Nelson Rockefeller, em 1953, para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A obra foi uma das sobreviventes do incêndio de 1978. Estima-se que 90% do acervo pegou fogo. Puft! Virou cinzas. Dos 10% restante, comentava-se que alguns trabalhos teriam sobrevivido por estar emprestados em casas de amigos do museu. Francisco Bittencourt escreve: “Não há casos conhecidos de museus emprestarem seus acervos para adornar residências. Os rumores, no entanto, são insistentes”.[38]

Um Museu de Arte Moderna à venda

Em 1971, o artista belga Marcel Broodthaers põe à venda na feira de arte de Colônia, na Alemanha, seu Museu de Arte Moderna, Departamento das Águias (1968-1972) devido à falência, mas não encontra comprador. Como parte da mesma seção financeira do museu, o artista faz barras de 1kg de ouro, com edição ilimitada e gravadas com o selo da águia – a marca do museu. A venda das barras seria acompanhada de um contrato descrevendo as condições da compra: cada barra seria vendida pelo dobro do preço do metal, fixado pelo mercado, e o comprador deveria pagar em dinheiro, apenas. O comprador é incentivado, no contrato, a fazer o que quiser com sua barra (inclusive, fundi-la), para melhor “gozar da pureza da substância e do frescor da intenção original”.[39] Finalmente, no último tópico do documento se assegura que um exemplar dessa edição ficará salvaguardado em um cofre dentro de um banco, com o nome Museu de Arte Moderna, Departamento das Águias.

O ouro é a mãe de todas as mercadorias, o dinheiro entre elas.[40] O ouro e a extração de demais metais, como a prata, sustentou, durante séculos, a empresa colonial em países da América Latina e da África. A atividade extrativista de minérios foi a base da chamada acumulação primitiva dos Estados-nações. Vinculada à sua imagem reluzente, além das fábulas e mitos de riqueza e abundância, se amalgamariam também as histórias da escravidão – disserta Michael Taussing ao andar pelo Museo del Oro del Banco de la República em Bogotá. Até a década de 1970, a riqueza dos países era medida por suas reservas de ouro. A quantidade de dinheiro fabricado e circulando deveria ser equivalente à reserva do metal precioso. Foi a partir de 1971 que a riqueza de um país passou a ser medida por outros fatores econômicos e em relação ao dólar.

Broodthaers ao propor que suas barras fossem vendidas pelo dobro do valor do preço do ouro, fixado pelo mercado, fazia com que o comprador perdesse dinheiro no ato da compra. Compra-se algo que não tem o mesmo valor de revenda no mercado. É uma transição econômica irracional. Além disso, o artista joga com a perda de lastro do metal – ele não vale o quanto pesa – como um possível método de precificação do trabalho de arte. Broodthaers discute ao mesmo tempo o preço da obra, mas também o valor de uma obra, de um museu: de um museu de arte moderna. No contrato do artista, lê-se em francês, inglês e alemão: “Eu gosto muito do ouro, porque ele é simbólico. Eu vejo o ouro de uma maneira desinteressada. O ouro é como o sol, inabalável”.[41]

Bourdieu descreve que o mercado de arte é baseado em trocas pré-capitalistas. Há uma recusa, para o sociólogo francês, em tratar as operações financeiras do circuito como um comércio. Como consequência, os interesses e ganhos diretos e indiretos são quase sempre velados, escamoteados, esquecidos no debate sobre arte como se não influenciassem, em certa medida, o que o público terá acesso, por exemplo. Em outra camada, essa teoria da “denegação” de Bourdieu parece ganhar fôlego renovado quando Marta Gnyp repete, em várias partes de seu calhamaço de capa dourada reluzente que, para o métierde galeristas e compradores, um bom colecionador seria aquele que não vende nem se desfaz jamais de uma peça de sua coleção particular.

A barra de ouro de preço duplicado pode (bem) ser atualizada por meio de uma análise das relações entre os museus e o mercado financeiro, além de concatenar o surgimento do museu dos Estados-nações com símbolos de águia como lugar para expor os tesouros pilhados das colônias – o ouro incluído. O trabalho do artista belga dobra-se, então, sobre obras mais recentes que têm exposto as relações entre as instituições de arte, o mercado financeiro e os estados, como Allan Sekula, Hito Steyerl e Andrea Fraser. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia, a cotação do ouro disparou. Seu valor já estava batendo recordes no mercado financeiro durante a pandemia e, agora, com o cenário bélico voltou a crescer: “desde que o mundo é um mundo, o metal é um porto seguro em tempos de crise. E o que se vê agora é nova corrida do ouro – que se dá, sobretudo, no garimpo invisível de oportunidades do mercado financeiro.” – escutamos no Jornal Nacional de 15 de março de 2022.

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Fabio Szwarcwald, um mês depois de sua saída do MAM-Rio, anunciou que é o novo sócio da empresa de criptoart tropix.oi, ao lado do herdeiro da Mulptiplan, Daniel Peres Chor, de Bernardo Schucman, de Alexandre Icaza e de Guilherme Nigri. Quanto vale uma barra de ouro no metaverso?


Natália Quinderé

Natália Quinderé é editora de Teteia (teteia.org) e doutoranda em História e Crítica de Arte pela UFRJ. Escreve e faz curadorias. Participou da coletânea “Art museums of Latin America: structuring representation” (Nova Iorque: Routledge, 2019), com o ensaio “Pedrosa and Malraux: impossible meetings in the museum of copies”. Foi selecionada, em 2019, para a bolsa de curadoria oferecida pelo Goethe Institut/Instituto Francês do Rio de Janeiro, com o projeto Musée-Museum: 15 dias, 4 horas, uma obra-prima. Apresentou o resultado da pesquisa, no final de 2021, com Seis gentes dançam no museu (@seisgentes_dancam_no_museu), no MAM-Rio.


[1] Todas as imagens deste ensaio são páginas ou detalhes dessa obra de Palmeiro.

[2] Disponível em: https://vejario.abril.com.br/beira-mar/mam-diretor-demissao/. Acesso em 18 fev. 2022.

[3] Os nomes dos representantes do comitê foram retirados do site do museu, disponível em: https://mam.rio/sobre-o-mam/governanca/. Acesso em 03 mar. 2022.

[4] Disponível em https://mam.rio/sobre/estatuto/. Acesso em 14 mar 2022.

[5] Esses valores foram descritos por Robin Pogrebin em matéria para o New York Times, em 2010. Ver POGREBIN, Robin. Trustees Find Board Seats Are Still Luxury Items. New York Times. 2 abr. 2010. Disponível em: https://www.nytimes.com/2010/04/03/arts/03center.html. Acesso em 18 fev. 2022.

[6] POGREBIN, op. cit.

[7] Ver https://masp.org.br/uploads/about-governance-items/c7opStjOsLIBt4K2wIjUkHlknsR2kpqw.pdf. Acesso em 7 mar. 2022.

[8] Ver https://mam.rio/sobre/estatuto/. Acesso em 18 fev. 2022.

[9] BISHOP, Claire. Radical Museology, London: Koenig Books, 2013, p. 9 (tradução livre minha).

[10] Esses três anos abarcam três curadorias distintas à frente da programação do museu: nomeadamente, Keyna Eleison e Pablo Lafuente (2022); Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes (curadora assistente) (2018); Luis Camillo Osorio e Marta Mestre (curadora assistente) (2015).

[11] Ver https://revistapoder.uol.com.br/edicoes/edicao-147/pode-isso-ronaldo/. Acesso em 18 fev. 2022.

[12] Ver https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2012/07/20/colecionador-na-pele-de-banqueiro.ghtml. Acesso em 3 mar. 2022.

[13] Ver https://www.artnews.com/art-news/market/top-200-collectors-2020-acquisitions-pandemic-purchases-1234573622/. Acesso em 3 mar. 2022.

[14] GNYP, Marta. The shift: art and the rise to power of contemporary collectors. Estocolmo: Art and theory publishing, 2015, p. 225. Ver também nota de rodapé 546.

[15] FIALHO, Ana Letícia. Mercado de arte global, sistema desigual. Revista do Centro de Pesquisa e Formação, n. 9, nov. 2019, p. 08-41.

[16] FRASER, Andrea (2011). L’1% c’est moi. Disponível em https://monoskop.org/images/4/42/Fraser_Andrea_2011_L_1%25_c_est_moi.pdf. Acesso em 19 mar. 2022.

[17] BITTENCOURT, Francisco. A epopeia de um museu. In: BITTENCOURT, Francisco. Arte-dinamite. Org. Fernanda Lopes e Aristóteles A. Predebon. Rio de Janeiro: Tamanduá Arte, 2016, p. 403-404.

[18] BITTENCOURT, op. cit., p. 410.

[19] Ver https://veja.abril.com.br/cultura/mam-rio-deixa-de-vender-tela-de-pollock-apos-leilao-nao-atingir-meta/. Acesso em 18 fev. 2022.

[20] ZEITEL, Gustavo. Sob a crise no MAM do Rio, novo diretor quer cortar custos sem modificar planos. Folha de S. Paulo, 02 fev. 2022.

[21] ZEITEL, Gustavo. MAM do Rio vive nova crise e terá advogado na direção após saída de Szwarcwald. Folha de S. Paulo, 01 fev. 2022.

[22] Relatório de atividades 2020, p. 86. Disponível em https://mam.rio/wp-content/uploads/2021/09/MAMRelatoriodeAtividades-2020.pdf. Acesso em 7 abr. 2022.

[23] Ver SANT’ANNA, Sabrina Marques Parracho. “Os primeiros anos de fundação do MAM carioca (1945-1952)”. In: SANT’ANNA, Sabrina Marques Parracho. Construindo a memória do futuro: uma análise da fundação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 44.

[24] BITTENCOURT, 2016, op. cit., O acervo do MAM, p. 105.

[25] BITTENCOURT, 2016, op. cit., O movimento do MAM, p. 120.

[26] PEDROSA, Mário. Projeto para o museu de Brasília. In: PEDROSA, Mário. Política das Artes. Org. Otília Arantes. São Paulo: Edusp, 1995, p. 287. (Textos Escolhidos 1).

[27] PEDROSA, 1995, op. cit., Depoimento sobre o MAM, p. 304.

[28] Disponível em https://saltonline.org/tr/2074/talk-between-charles-esche-and-manuel-borja-villel. Acesso em 9 mar. 2022.

[29] BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre: Zouk, 2006, p. 19.

[30] Idem.

[31] A pesquisadora Kavita Singh, em 2010, escreve sobre as relações entre mercado e museus estatais na Índia: “Na ausência de instituições públicas que pudessem formar os repositórios da arte de um tempo ou de uma academia desenvolvida que pudesse construir os arquivos ou escrever os livros sobre o período, hoje, na Índia, creio, o próprio mercado de arte começou a assumir o papel do museu. É o mercado que está produzindo o discurso”. SINGH, Kavita. Uma história do agora. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n.29, jun. 2015, p. 181 (grifo meu).

[32] Dados retirados da reportagem Prato vazio. Disponível em https://piaui.folha.uol.com.br/materia/prato-vazio/. Acesso em 15 mar. 2022.

[33] Disponível em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/05/23/com-145-mi-de-familias-na-miseria-brasil-bate-recorde-de-extrema-pobreza.htm. Acesso em 15 mar. 2022.

[34] Disponível em https://anotabahia.com/andre-esteves-vai-abrir-um-museu-de-arte-concreta-brasileira-em-sao-paulo/. Acesso em 15 mar. 2022.

[35]Disponível em https://oglobo.globo.com/rio/bairros/mac-perde-obras-da-colecao-de-joao-sattamini-vendidas-por-herdeiros-1-25193808. Acesso em 15 mar. 2022.

[36] Disponível em https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/um-dos-mais-importantes-acervos-do-pais-colecao-de-joao-sattamini-corre-risco-13450943. Acesso em 15 mar 2022.

[37] Disponível em https://www.jornalcorreiodamanha.com.br/colunistas/claudio-magnavita/11663-coluna-magnavita-fim-de-festa-no-mam-durou-pouco-a-atabalhoada-gestao-de-fabio-szwarcwald. Acesso em 15 mar. 2022.

[38] BITTENCOURT, A epopeia de um museu, op. cit., p. 407-408.

[39] MOURE, Gloria (org.). Marcel Broodthaers: Collected Writings. Barcelona: Polígrafa, 2012, p. 303.

[40] TAUSSING, Michael. Mi museo de la cocaína. Popayán: Universidad del Cauca, 2013, p. 18.

[41] MOURE, op. cit., p. 303.

A Desvio é feita por pessoas: carta aberta da equipe.

Todos que conhecem a Revista Desvio a pelo menos alguns meses já ouviu a nossa máxima: a Revista Desvio é um projeto de amor feito por voluntários. E isto é constantemente informado porque essa é a nossa realidade. Não somos um instituto, não somos um museu, não temos dinheiro, não recebemos salário e não temos qualquer fundo permanente. Ações como o Apoia-se geram em média R$400,00 que são divididos por membros com extrema necessidade, que perderam seus empregos e estão em situação de vulnerabilidade durante a pandemia. Além dessa ação, ganhamos nosso primeiro edital da Lei Aldir Blanc, que foi usado para pagar dívidas advindas da Desvio. Sim, ela gera gastos para seus membros, mas nunca gerou lucro.

O distanciamento ocasionado pela internet permite ações violentas por aqueles que apenas observam a Desvio e seus membros, mas desconhecem como o projeto realmente funciona e tem funcionado até então. Para algumas pessoas, não somos pessoas como elas. Há alguns anos passamos por situações que beiram o absurdo, e guardamos todos os casos para nós, sem expor ninguém, com o intuito de continuar tocando o projeto da melhor maneira possível.

Gostaríamos de exemplificar o porquê essas problemáticas não são de agora. Tivemos pessoas que abandonaram projetos no meio do caminho, nos obrigando a ter um trabalho dobrado (sempre afirmamos também que, se você não faz, alguém vai ter que fazer, o comprometimento ao tocar projetos voluntários é essencial, caso contrário, o projeto é abandonado). Recebemos muitos e-mails cobrando uma data de publicação da revista, e essa questão é bastante complicada, posto que nós temos um calendário fechado, com previsão de lançamento para o final do primeiro e do segundo semestre do ano. Entretanto, em todas as edições, enviamos os arquivos para aceite da revisão e os autores nos retornam fora o prazo. Parece pouco, mas, se um autor atrasa, a diagramação atrasa e a publicação da revista também. Por consequência, recebemos e-mails de críticas perguntando por que a edição ainda não foi publicada. Em muitas ocasiões, a equipe de design se desdobra para conseguir postar no prazo estipulado, mas não é justo a equipe voluntária ter que se submeter a isso por erro que não nos compete. Torna-se então um ciclo vicioso em que alguns autores atrasam, outros cobram, e nós, no meio, tentamos resolver a situação da melhor forma possível.

Falta também empatia e discernimento. Recebemos críticas extremamente duras com questões absurdas, desde reclamações por não abrirmos mais espaço para textos livres – mesmo a Desvio deixando bem claro que é uma revista acadêmica -, passando por reclamações de não aceitarmos uma quantidade maior de imagens nos textos, sendo que em alguns casos são enviadas um número além do permitido por outras publicações, seja elas impressas ou online. Há também reclamações da avaliação do artigo, onde a opinião do avaliador não é apenas contestada, mas a capacidade do avaliador é colocada a prova, além de textos que são enviados de maneira incorreta pelos autores e eles reclamam por não permitirmos o envio do artigo correto fora do prazo, entre outros. Esses são alguns pequenos exemplos, mas já passamos por situações piores, já fomos literalmente ofendidos, no entanto, continuamos.

Nos perguntamos quase todos os dias se essas mesmas pessoas fazem isso com revistas acadêmicas de renome. Sabemos que não somos “ninguém”, somos estudantes lutando para ter alguma coisa, igual você aí do outro lado que lê esse texto. Mas respeito e empatia têm que ser oferecido, independentemente do nome. Para nós, a gota d’água foi agora, porque não acreditamos que seria possível passar por ainda mais absurdos, mas sempre é. A oficina de produção, curadoria e montagem, ofertada gratuitamente para o público, foi um sucesso. Recebemos muito elogios, muito carinho e apoio, ficamos extremamente gratos. Mas, infelizmente, as problemáticas acabam ganhando destaque. Explicamos tudo no formulário, respondemos dúvidas, tentamos ao máximo ser transparentes e justos, mas sofremos um minúsculo linchamento virtual, completamente desnecessário.

E pior, por questões que estavam claras. Tentamos responder de maneira educada, mas cansamos. Sem dúvida, esse é o ponto desta carta aberta: relatar o nosso cansaço. Ter uma postura pedagógica não nos torna saco de pancadas de pessoas que não se atentaram corretamente aos detalhes, que não acompanham nossas redes para saber das novidades. Não somos “empregados” de ninguém, mais uma vez, a Desvio é um projeto voluntário, não temos obrigações com ninguém, não prestamos um serviço. Poderíamos inclusive, ignorar determinados comentários, mas, por respeito ao nosso público, sempre respondemos a todos. Mas se o público não nos respeita, não temos condições de exercer essa reciprocidade.

Mais uma vez, aqui do outro lado, temos pessoas. Pessoas que leem certar críticas e ficam abismadas com a crueldade dos outros. Pessoas que não se calarão mais. Com isso, informamos que:

  1. Comentários ofensivos e que contestam nossa idoneidade não serão aceitos.
  2. Comentários violentos não serão aceitos.
  3. Não exerceremos reciprocidade de educação com pessoas que não são recíprocas conosco, não somos sacos de pancada, somos pessoas.

Nosso trabalho custa dinheiro, e nos não somos remunerados por ele. Não aceitaremos mais, além de não sermos remunerados, sermos humilhados. Agradecemos a todos que nos apoiam e apoiaram até aqui, e solicitamos que, antes de realizar qualquer tipo de comentário ofensivo, sem empatia, impaciente ou cobrando alguma coisa, lembrem-se que somos voluntários e estamos em um esquema de trabalho gratuito, que não prestamos um serviço a ninguém, e estamos aqui por um projeto de amor. Se esforçar ao máximo para comunicar-se conosco da maneira mais bacana possível é sim uma obrigação.

Como uma querida amiga comentou conosco uma vez: é necessário “saber diferenciar o que é museu hegemônico financiado por grupos bilionários e o que é um grupo de estudantes fudid@s tentando construir alguma coisa relevante”. Não nos confunda e nos respeite. Obrigada.

Cartilha Online – Caminhos para qualquer pesquisa ser feminista

É com grande prazer que anunciamos a disponibilização da publicação “Caminhos para qualquer pesquisa ser feminista”. O conteúdo será apresentado durante o Ella: Mulheres da Desvio | encontro #3.
A cartilha foi produzida pelo grupo pesquisa DE/ SOBRE/ FEITAS POR MULHERES, e o design foi realizado por Carine Caz. Colaboram para a realização desse conteúdo o Projeto de Extensão e Coletivo Ella: Interlocuções Entre Artistas, o Coletivo de Mulheres Ana Maria Nacinovic – EBA/UFRJ, a Revista Desvio, a Plataforma de Emergência e o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica.
A coordenação do grupo é de Daniele Machado e Gabriela Lúcio e é formado pelas pesquisadoras Ana Hortides, Aline Oliveira, Carolina Alves, Daniella Geo, Mariana Maia, Maria Elena Lucero, Natalia Candido, Nataraj Trinta, Roberta Calábria e Thais Canfild.

Boa leitura!

 

Você também pode ler pelo pdf clicando na imagem abaixo

Caminhos para qualquer pesquisa ser FEMINISTA

 

 

Entrevista Laís Castro

Trilha marginal, 2020

Laís Castro é artista da performance e arte-educadora licenciada em Dança pela UFRJ. Atualmente cursa o mestrado no Programa de Pós Graduação em Dança na UFRJ. É gestora e curadora do espaço de arte Citrus Ateliê em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, onde propõe encontros ligados à estética periférica na arte contemporânea. Produziu e realizou a curadoria da Mostra Citrus de Dança Contemporânea (2016) no Teatro Arthur Azevedo contemplado no Edital de Ocupação dos Teatros da FUNARJ; CORPAS- Encontro de Performances de Mulheres Negras (2018) realizado na Casa Bosque (Campo Grande-RJ) e no Terreiro Contemporâneo (Centro-RJ). Foi curadora e produtora do evento itinerante Mapas para cruzar Fronteiras (2019) realizado em parceria com a Galeria Topografia. Foi arte-educadora no projeto O Despertar Artístico Periférico (2018) contemplado no Edital Arte Escola Territórios Sociais, e no projeto Curso Online de Videodança (2020).

Redes Sociais: Instagram // Facebook // Youtube

Anatomia ou por qual parte você me olha, 2020

_ Durante a graduação nossa visão é modificada e assim a forma como encaramos a percepção de nossos corpos no espaço. Estruturalmente falando, quais impactos essas mudanças lhe causaram? Sendo formada em Licenciatura pela UFRJ, como foi o processo de descoberta das possibilidades do corpo na performance?

A graduação foi um espaço muito importante para a percepção do meu corpo em movimento. Eu danço desde criança, considerando diversos contextos, desde os espaços escolares até os momentos de festa. Essa primeira formação, da Escola de Dança, me deixou muito atenta à dança produzida, às formas, aos ritmos, e bem pouco atenta ao que isso produzia em mim. Em relação a isso, a festa e os meus momentos movendo sozinha em casa – um ritual íntimo de afastar os móveis da sala, abrir espaço, pôr um CD para tocar e sentir o movimento operando em mim – eram ocasiões em que abria espaço para outras sensações. O ingresso na graduação foi esse momento em que de alguma maneira os dois âmbitos da minha experiência com o movimento se encontraram, a escolarização e a festa do corpo. Ao mesmo tempo, me encontrar com as diversas referências que aquele espaço oferecia me fez desejar ampliar ainda mais as percepções do movimento e a relação com o outro. A minha conexão com a performance se insere em um contexto de abertura radical das minhas percepções sobre corpo e espaço. Pela natureza tão plural dessa linguagem eu encontro um terreno possível para meus desejos.

Fade Out do Olhar, 2016

_ Laís, em Fade Out do Olhar, você inicia o desenvolvimento de uma performance a partir das das tensões e elementos encontrados entre centro e periferia. Enquanto uma mulher que transita, habita e se vê no meio dessas tensões, vejo como o funk, presente em alguns de seus trabalhos, é incorporado enquanto elemento sonoro. Sendo assim, um dos principais elementos do Rio de Janeiro, construindo identidades e transformando espaços. Enquanto artista e performer, como foi e se dá o processo de incorporar essa sonoridade em suas performances, com todas as suas nuances?

Fade Out do Olhar foi o primeiro trabalho que trata mais diretamente dessa minha relação com a periferia. Ele se estrutura muito a partir de elementos que são familiares, e que ao longo do processo de criação eu reconheci como relevantes na minha associação de experiências na periferia, entendendo-a como lugar e uma identidade compartilhada. Certas histórias que aconteceram durante o processo de criação fundamentam a performance, vou tentar resumir duas delas.

Lembro-me de um dia fundamental em que atentei para os nomes das estações de trem do Ramal Santa Cruz, as paradas. Eu estava com minha mãe e meus avós quando, assim de brincadeira, eu puxei em voz alta: – Central do Brasil, Praça da Bandeira, São Cristóvão. Minha mãe imediatamente: – Maracanã, Mangueira. E o meu avô: – São Francisco Xavier, Riachuelo, Sampaio… Já não me lembro bem se foi assim, mas na minha memória nós três recitamos em coro todos os nomes até chegar em Santa Cruz. Meu avô contou pra mim que quando ele chegou no Rio com cinco anos, sendo de Muriaé, interior de Minas Gerais, veio para São Cristóvão, e depois foi para Sampaio, e depois para Engenho de Dentro, e depois para Bangu, e depois para Campo Grande. Ele morreu alguns meses depois do dia em que recitamos as estações e foi enterrado em Paciência. Assim como a história do meu avô é marcada por esse distanciamento do Centro, busco através da visualidade das palavras, dos nomes dos lugares também assinalar esse afastamento. Outra história é sobre reativar a máquina de escrever do meu pai, que estava em um quarto há décadas. Meu pai era jornalista e trazer a imagem daquele objeto dava conta de um desejo de imaginar quais palavras foram escritas ali. O nome do trabalho me sugere uma ação de olhar o que chega pelas bordas, coisas que estão no entre, quase desaparecidas. O movimento traz essa busca de refrescar o olhar, aguçar a curiosidade, organizar o trânsito mas também assentar.

Em 2015, no contexto da criação desse trabalho, já fazia algum tempo que eu estava pesquisando o funk para composição em performance e em uma dessas pesquisas eu encontrei a versão original da música Chumbo Quente. Essa que em sua versão em funk fez um enorme sucesso nos anos 2000 era considerada o hino das milícias. A Zona Oeste do Rio de Janeiro é uma região que marcadamente é afetada pelo domínio territorial desses grupos e eu quis fazer uma menção a isso a partir da sonoridade, que remete a uma narração de terror nos versos da música. Discutir essa ambivalência, entre o horror e o prazer da dança, de uma forma abstrata foi uma proposta de abertura para outros sentidos. Percebo que o funk de modo geral, explora muito bem esses e outros contrastes sendo um dos motivos que eu busco estar sempre em diálogo com essa manifestação. Digo manifestação porque justamente me interessa como o funk se apresenta em diferentes contextos. Um deles que me aproprio em outra performance, TrilhaMarginal.2 são as músicas da turma de batebola que eu faço parte. Essas músicas são como funks-enredo que narram a história da turma e do tema escolhido a cada ano. Além disso, as viradas estéticas do funk o fazem cada vez mais estar em diálogo com as afrobrasilidades, conseguindo com maestria se desdobrar em si mesmo, se espiralar na própria história. Entendo a vocação do funk de atualizar diversos elementos da ancestralidade negra, criando um fio ininterrupto entre tradição e contemporaneidade. O tambor sampleado, um beat que vem como um sussurro, a presença audível dos DJs com suas narrações nos podcasts, são camadas que compõem essa performatividade que me interessa dialogar.

Videocast, 2019

_ Outro elemento que capta atenção são os elementos visuais presentes nas projeções. Em seus trabalhos você utiliza projeções de locais, pessoas e espaços frequentes para a maioria da população carioca. Como se inicia a percepção das possibilidades visuais encontradas nesses elementos culturais e o processo de inserção dos mesmos na performance?

Essa percepção se inicia quando começo a experimentar com a fotografia analógica. Essa prática convoca a uma duração maior do tempo em que se olha uma cena a ser fotografada e do tempo em que se vê o resultado. Esse é o tempo em que eu convivo nos espaços e com as imagens, entendendo o papel do corpo nesse processo. Quando eu faço a transição para o digital essas compreensões permanecem, e o desejo de convivência entre corpo e imagem se intensifica. Assim, eu sigo buscando criar e fabular essas imagens, deslizando entre o que pode se chamar de documental e ficcional. Isso é importante nesse jogo de figurar e abstrair, que convida a quem participa das performances a recriação dos sentidos daquilo que é cotidiano.

Volta do lado de fora, 2020

_ Laís, nessa conversa entre tempo e resultado, penso também no tempo da performance. Ao se trabalhar performance, inicia-se um processo que apesar de planejado, sofre alterações constantes. Do início pra cá, como você vem percebendo esses afetos e a relação deles com seus trabalhos e processos?

O movimento dos saraus teve uma importância ímpar na minha trajetória artística e essa minha experiência dialoga bastante com essa pergunta. Performar em um sarau era geralmente ocupar o espaço da rua em um contexto periférico e lidar com diversas camadas de precariedade. A performance enquanto linguagem já tem se dedicado bastante a pensar sobre esse elemento. Na medida em que a improvisação em dança é uma ferramenta tanto de composição como de experiência, é meu interesse dialogar com essas alterações. Entendo a performance como lugar de troca, me interessa mais compor com o que há no momento. E esse processo se dá a partir de decisões que são tomadas a cada instante. É sobre o diálogo com quem parou para olhar, o trem que passou, de repente eu me deparo com uma barricada, ou alguém armado. Tem uma crueza da vida acontecendo que me encanta, não em um sentido de romantizar, mas de intensificar esse trabalho de sensibilidade, de percepção, de atenção, de criação. Esses são aprendizados que cultivo e levo no corpo.

_ Você atualmente é anfitriã do espaço de arte Citrus Ateliê. É interessante observar o ciclo aqui mencionado, quando você comenta sobre dançar desde criança e sobre sua experiência na escola de dança. Pensando sua posição atual, como é pra você participar desse espaço, que é também um espaço de troca?

Esse papel de anfitriã de um espaço de arte é fundamental para fincar minha posição enquanto uma artista periférica. Neste espaço, voltado para leituras periféricas da arte contemporânea, são realizadas residências, oficinas e eventos de arte, reunindo artistas, iniciativas culturais e pessoas interessadas por arte. É aqui onde eu posso criar intercâmbios entre artistas e suas perspectivas. Também é importante mencionar que o espaço fica na minha casa, então existe uma camada de intimidade que perpassa essas trocas. Para mim é importante que esse espaço atue de uma forma diferente da escola de dança, principalmente porque não existe algo dado, um conhecimento que tenha que ser veiculado. Por isso o nome ateliê faz sentido, é um lugar onde diversas tramas e costuras se dão.

_ Atualmente você também integra o Mó Coletivo. De que maneira você percebe as alterações durante seu tempo no coletivo?

O Mó Coletivo surge dessa necessidade de falar sobre performance e periferia, ao longo desses quase quatro anos de existência nós nos dedicamos a criar espaços para esse debate. Nesse processo entendemos o quanto o tema é urgente não só para nós do coletivo mas para muitos artistas. Hoje entendo o coletivo muito nesse papel de agregar e trocar com artistas periféricos, buscando um senso de comunidade e valorizando as diferenças.

Sucessivos Presentes, 2017

_ Em 2018 você realiza o CORPAS, o encontro de performances de mulheres negras. Conta sobre esse processo…

Eu e Mariana Maia, que hoje faz parte do Mó Coletivo, estávamos muito interessadas em realizar um encontro de performances na Zona Oeste. Essa conversa se ampliou e nos juntamos com Simone Ricco e Danielle Anatólio que estava gestando um encontro de mulheres negras. A partir daí, entendemos que era o momento de fazer algo juntas e que os nossos desejos dialogavam. Assim, nós pensamos nesse evento que aconteceu em dois locais, na Casa Bosque em Campo Grande e no Terreiro Contemporâneo no Centro. Lançamos uma chamada para artistas com as nossas inquietações enquanto mulheres negras artistas da performance e recebemos mais de vinte inscrições. O evento aconteceu em julho, justamente para comemorar o dia da mulher negra latinoamericana e caribenha.

Fogo!, 2020

_ O cenário cultural foi um dos mais afetados pela pandemia, para quem trabalha com arte e cultura, foi necessário repensar todo o processo. Trabalhando com o corpo e a performance, de que maneira você nota o abalo trazido pela pandemia após todos esses anos de carreira?

A pandemia abalou muito a relação entre as pessoas com a necessidade do afastamento. Eu como artista do corpo e muito interessada nas aproximações, tenho sentido esse estado de uma forma muito desafiadora. Penso que ainda estou caçando os cacos produzidos por esse rompimento. Por outro lado, tenho buscado expor essa falta através de outros meios. Como outros artistas, durante a pandemia, intensifiquei meu trabalho com vídeos e trabalhos com transmissão ao vivo.

Repercussão, 2021

_ Em 2022, você apresenta Verde, uma peça de dança que circula entre diálogos afro indígenas e afro futuristas. Comenta um pouco esse processo e como foi apresentar ele depois, e durante, essa longa pandemia?

Verde é uma peça que compõe a parte prática da minha pesquisa de mestrado em Dança. Eu articulo um conceito de periferia como uma identidade compartilhada, que reconhece as diferenças – as particularidades e individualidades de cada um que se apropria dessa identidade – e o que é comum – o que agrega e cria a sensação de pertencimento. Essa peça considera as minhas experiências individuais, mas também experiências coletivas na periferia, levando em conta o que une e o que difere de forma imbricada. O processo de criação começa com a captação de imagens nos arredores da minha casa, a ideia era filmar alguns elementos do cotidiano para projetar no espaço do Citrus, e assim trazer um pouco da  rua para o ateliê. A criação se desenrola a partir da relação com essas imagens projetadas e das memórias que são ativadas ao longo da improvisação, memórias de vários tempos que se espiralam no corpo em movimento. Também foi muito importante trazer a memória da Dona Deia, rezadeira da minha rua, como uma figura que convoca à reflexão sobre a força das plantas, tanto na dimensão ritualística quanto cotidiana. A estreia de Verde foi o primeiro evento aberto ao público do Citrus Ateliê depois da pandemia, foi bastante significativo promover essa proximidade com o público.

_ Laís, você já passou por diversos espaços, encontrou diversos corpos e caminhos, após essas falas, para encerrarmos, gostaria de saber, de todas as suas performances, encontros e planejamentos, algum ou alguns destes tiveram mais impacto em sua carreira…

Essa é uma pergunta interessante. Eu acredito que justamente pela multiplicidade de experiências, a diversidade delas tem muito impacto na minha carreira. São essas diferenças que moldam como eu percebo e conduzo minha produção. Desde as pessoas que são referências na arte até as que estão no meu cotidiano, os encontros formam um fio condutor que me ensina e inspira. Penso que a cada relação eu carrego algo comigo e as minhas identidades estão em relação a esses contatos.

Vermelho, 2022

Exposições e eventos

2022

Festival ZoAção de Audiovisual de Periferia, Ser Cidadão (Santa Cruz).

Primavera das Artes, Coletivo Cultive Teatro Cacilda Becker.

Exposição Mó Coletivo, Sesc Caxias.

Pemba Residência Preta, Sesc nacional.

Festival Margem Visual (2021 e 2022), Mó Coletivo.

Mostra Pandêmica, Encontros Performativos Sobre Criação Online – Pandêmica Coletivo Temporário de Criação.

Festival Às Escuras, Pandêmica Coletivo Temporário de Criação.

Dança Ex-Machina – mostra de videodanças, Fair Saturday Festival Lisboa.

2020

Edital Contágio da Revista Espaço-UFRJ.

2019

Mapas para cruzar fronteiras, Galeria Tipografia e Citrus Ateliê.

Residência Demolition Incorporada – CAMPO Arte Contemporânea/ Teresina-PI.

Plural: A Caju encontra a Aymoré – Galeria Aymoré.

CEP 20000 – Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto.

2018

CORPAS – Encontro de performances de mulheres negras (2018) – Casa Bosque e Terreiro Contemporâneo.

2017-2016

Sarau do Escritório (2016-2017) – Praça Luana Muniz, Circo Voador, Palacete Princesa Isabel, Museu de Arte do Rio.

Sarau do Velho (2016-2017)- Vila Aliança (Bangu), Morro Agudo (Nova Iguaçu), Centro Cultural Laurinda Santos Lobo (Santa Teresa).

Diálogos sobre o Feminino – CCBB São Paulo e Brasília.

Como falar de Arte Feminista à Brasileira (2016)- Centro Cultural Municipal Hélio Oiticica.

Festival Satyrianas (2016)- Espaço Satyros/SP

Festival de Teatro de Curitiba (2016)- Teatro Novelas Curitibanas/PR.

2015-2012

Sarau Afroresistências (2015) – Escola de Belas Artes – UFRJ.

Festival Auteurs de Troubles (2012) – Lyon/FR.


Clarisse Gonçalves 1998. Graduação em história da arte em andamento na UERJ. Pesquisadora e historiadora da arte situada no Rio de Janeiro. Atualmente pesquisa manifestações artísticas periféricas, negras, e afrodescendentes no estado do Rio de Janeiro.

Cartilha Online – Caminhos para qualquer pesquisa ser feminista traduzida para o Espanhol e Inglês

É com grande prazer que anunciamos a disponibilização da publicação “Caminhos para qualquer pesquisa ser feminista” traduzida para o Inglês e o Espanhol.


A cartilha original foi produzida em 2018 pelo grupo pesquisa DE/ SOBRE/ FEITAS POR MULHERES, e o design foi realizado por Elisa de Azevedo. Colaboram para a realização desse conteúdo o Projeto de Extensão e Coletivo Ella: Interlocuções Entre Artistas, o Coletivo de Mulheres Ana Maria Nacinovic – EBA/UFRJ, a Revista Desvio, a Plataforma de Emergência e o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica.
A coordenação do grupo era de Daniele Machado e Gabriela Lúcio e foi formado pelas pesquisadoras Ana Hortides, Aline Oliveira, Carolina Alves, Daniella Geo, Mariana Maia, Maria Elena Lucero, Natalia Candido, Nataraj Trinta, Roberta Calábria e Thais Canfild.

Você pode ler clicando nas imagens abaixo:

ATENÇÃO: A Revista Desvio irá tirar 3 meses de férias!

Querides, depois de longos sete anos de trabalho continuo, sete dias por semana e sem qualquer remuneração, a equipe da Revista Desvio irá tirar 3 meses de férias! 

Esses meses serão usados para que a gente possa se concentrar em outros projetos pessoais e profissionais (dessa vez remunerados), para organização e revisão de algumas coisas da Revista Desvio (ou seja, ainda estaremos trabalhando de alguma forma, parar é realmente impossível) e um pouquinho para descanso – mesmo sendo o que a gente mais precisa, é praticamente um sonho distante. 

Gostaríamos de pedir a compreensão de vocês para não enviar emails, directs ou qualquer tipo de mensagem neste período, eles não serão respondidos. Para os mailings em que estamos adicionados, se possível, nos retirem das listas neste período, não vamos conseguir responder. 

Pedimos o apoio, a paciência e o cuidado de vocês conosco, precisamos MUITO deste período de férias, os últimos tempos foram absolutamente estressantes e cansativos, mexeram com a saúde física e mental de uma parcela da equipe e estamos completamente sem forças, precisamos recarregar as energias – ou minimamente organizar nossas próprias vidas pessoais e profissionais – para retornamos com mais energia. Sei que alguns de vocês estão cansados de ler isso, mas outros ainda nos tratam de uma forma muito complicada, e por isso, vamos repetir: a Desvio é feita por voluntários, não recebemos qualquer tipo de remuneração pelo nosso trabalho.

Agradecemos o apoio de todos e esperamos que 2023 seja mais leve, um feliz ano novo a todes!

 ❤️

Entrevista Matheus Morani

Morani, 1997, Nilópolis, nascido na rua zezinho em tal ano, reside também num lugar e trabalha registrando algumas novas coisas como fósseis, com suas próprias mãos.

Cargo Collective // Instagram

A.M.A.S. (Anomalia Magnética do Atlântico Sul), Grafite sobre duas camadas de papel vegetal, 2021_

Nota sobre a livre escrita aqui utilizada: Ao meu pedido que foi atendido generosamente pela edição da revista, sob esta condição, justifico o uso desta escrita sem revisão por acompanhar o livre arbítrio da palavra; a ausência de caixa-alta pelo que Herbert Bayer nos diz sobre a indistinção desta hierarquia entre as letras quando falamos; por fim, a propor um exercício de compromisso às presenças que são evocadas pelas palavras, citando Amadou Hampaté Bâ: “lá onde não existe a escrita, o homem está ligado à palavra que profere. […] ele é a palavra, e a palavra encerra um testemunho do que ele é.”

_ morani, olhando os seus trabalhos, considero “memória” a palavra que mais os envolve. No início de seu percurso enquanto artista, sempre foi esse foi o caminho em mente?

eu percorro a ideia de ser artista enquanto a reivindico, então acho que nunca tive em mente sobre o que quero falar em específico, e sim que gostaria de falar algo. todo mundo tem uma história para contar e a isso se dá o nome de memória. sempre me interessei muito por memórias, principalmente das outras pessoas. pensar que existem histórias que só existem para alguém e aí ela te conta, te fazendo cúmplice quase de um segredo. tem um dado fenomenológico disso, também, mas não só. eu gosto muito de ouvir sobre as memórias das pessoas, mas com o tempo fui entendendo que toda memória também carrega um esquecimento. contar uma memória é quase como criar uma nova coisa, como construir um fóssil com suas próprias mãos. às vezes para outra pessoa. me tornar artista tem muito a ver com querer contar memórias, que sempre se refazem enquanto são contadas, sempre de uma maneira muito particular a quem conta, ressoando de uma maneira muito própria a quem ouve.

Afemia, Fotografias em lambe coladas na estação de trem de Nilópolis, 2021

_ é verdade que cada memória carrega duplo significante. Ao criar certas peças, você parte de uma memória do indivíduo, assim, o contato com o outro acaba por abrir a possibilidade de significantes que uma obra possui. ao apresentar seus trabalhos é também realizada a ativação da memória. como esse despertar se apresenta?

é verdade que toda memória carrega muitas verdades. e são tantas as verdades, já dizia leonilson, num desses repentes confessionais. para cada verdade, um peso, e para cada peso, uma medida. tenho pensado muito através de alguns princípios da física quântica. alguns, mas não muitos, apenas aqueles em que consigo refazer caminhos com minhas bagagens, através dos meus óculos que quero te emprestar agora. esses percursos estão sempre, ainda que de forma inadvertida, sujeitos a bifurcações; uma dessas ideias quânticas que me veio à cabeça quando você me pergunta sobre a noção da memória carregar um duplo significante. pensemos que a todo momento em que algo acontece, essa mesma coisa também não acontece; de algum instante que podemos indicar como origem (pensando que todo momento pode ser indicado como origem, por exemplo, neste momento enquanto escrevo as palavras “pensando que todo momento pode ser indicado como origem, …”, eu errei alguns caracteres, tive que apagar e reescrevê-los, até mesmo reformulei a frase, e nisso já se fez um impacto a bifurcar realidades que podemos indicar como origem, enfim), existirá uma superposição de sim e não, o que resulta no sim ou não, enquanto ainda não forem determinadas nos descritores do espaço e tempo. borges escreveu um conto em que procurava tomar como método e matéria essas pequenas variáveis que implicam diferenças topológicas inteiras, intitulado “jardim dos caminhos que se bifurcam”, acionando termos de probabilidade em que a ficção se coloca como esse campo em que tudo é provável e improvável, simultaneamente. ao me contar memórias, as pessoas me trazem, talvez, com seus diferentes pesos, novos jeitos para duvidar e desconfiar de determinações já conhecidas anteriormente, e de re/tornar àquele acontecimento nesta linha temporal, desde-já re/fazendo caminhos que se bifurcam ao contá-los ou não os contar para mim. isso também me fez lembrar o trabalho da lygia clark, “caminhando”, propondo essa ação que não se encerra em si, mas apenas se bifurca em mais e mais possibilidades simultâneas a própria experiência.

Afemia, Fotografias em lambe coladas na estação de trem de Nilópolis, 2021

_ morani, parte significativa do seu trabalho se entrelaça a memória, esta se manifestando física e afetivamente. como se desenvolve o processo de trabalhar memória?

esse processo de trabalhar a memória parte principalmente da escuta. eu acho engraçado reunir essas duas palavras: trabalho e memória. principalmente porque o trabalho é feito para esquecer, porque não é para se emocionar trabalhando. e a memória só existe se emociona alguém. tem toda uma explicação neurológica para isso, o que eu acho ótimo porque dá para falar em umas línguas que não são bem as que me interesso em falar. também entendendo a memória como uma coisa quântica. as memórias são faladas e aí então escutadas, pensa o quanto de partículas, moléculas estão vibrando para que esse evento sônico aconteça. e não termina nesse instante da partilha, porque não é determinado. é quase como um efeito borboleta, eu posso te contar uma memória agora e alguém pode sonhar com essa memória no cazaquistão, ou em minas gerais. ou do outro lado da rua. tem isso também, a gente não sabe direito se o sonho vem do que a gente memoriza enquanto está no estado inventado como consciente. eu acho que tanto o sonho quanto a memória vem de um estado outro das coisas, é uma pulsão vibrátil, que movimenta vidas e mortes, sim e não, movimenta mesmo, aberturas e fechamentos: para além dessa binariedade dicotômica, determinadas e separadas.

composição para um problema epistemológico, 2022

_ comentando a relação entre trabalho, memória e esquecimento, me vem à mente o processo artístico. ao criar peças, é comum uma ideia ter início em um estado, e acabar se desdobrando em diversos caminhos e possibilidades. como você encara e lida com essas alternâncias?

eu tenho uma intuição intensa sobre os trabalhos de arte que faço, enquanto os faço, que não dizem respeito exatamente a nada. é como se fosse uma imagem que eu perseguisse, que abrisse caminhos a minha frente; como toda imagem é fantasmagórica, apenas paro quando percebo que é ela que me persegue. tenho um senso metódico que é bem projetual, o que pode se tornar bem caxias[1] às vezes. em minha pesquisa artística, tenho refletido nos últimos tempos principalmente sobre a forma – o que faço se condensa em diversas. não me incomoda porque dá um tom fugidio às especulações do sistema da arte, sobretudo sobre as dinâmicas de mercado. às vezes as pessoas nem me reconhecem como artista, o que eu procuro não me importar absolutamente, mas me incomoda a ideia torpe de que um artista se faz por uma previsibilidade, por uma prática linear ou progressiva. de todo modo, sempre assumi as dúvidas que tenho sobre mim mesmo, e isso se estende aos meus trabalhos. essas imagens me vem, não somente aos olhos, e procuro agarrar seus encalços com tudo que posso, principalmente com palavras. penso que a ideia de que a palavra não deixa muito espaço para as dúvidas é completamente racionalista; como entendo que meus trabalhos existem porque partem de uma escrita, fico pessoalmente ofendido com isso, porque são sempre caminhos muito traiçoeiros. para trazer uma frase que já escrevi num outro lugar, “escrevo sabendo que, do que pensei até virar palavra escrita, alguma coisa se perdeu, se capturou, se traiu, se confundiu e foi parar ali sem saber como chegou”. e ainda, quando li luis camnitzer citando ralph waldo emerson, “cada palabra alguna vez fue um poema”. um segredo que te conto aqui, nesta entrevista: gostaria de operar mais a partir destes significantes que também antecedem o próprio saber-falar.

_ parte do seu trabalho se debruça na memória familiar. conta um pouco sobre isso?

como eu disse antes, eu sempre me interessei por memórias, principalmente de outras pessoas. acho que as primeiras pessoas que a gente conhece na vida são os nossos familiares. e acho que as primeiras memórias que a gente faz são com elas, e as primeiras memórias que a gente ouve são delas. às vezes eu acho que tenho memórias inteiras que só existem porque minha mãe me narrou. e olha que eu sou uma pessoa que a primeira memória data lá dos três anos de idade. (eu beijava a barriga da minha mãe, que gestava meu irmão, todos os dias antes de ir para a escola.) eu sempre fui uma criança bem imaginativa também, comecei a ler bem cedo, aos quatro anos. a memória e a imaginação estão implicadas de tal forma que uma só existe com a outra. toda memória é imaginada, nunca se lembra de algo assim, preto no branco, exatamente como aconteceu. eu gosto de desfazer essas exatidões, que também são inventadas, mas tem a pretensão de existirem per si. por isso nunca gostei de mexer em réguas, e sempre fico me perguntando como se medem os quilômetros. mas essa é outra história. a memória dos meus familiares de alguma forma é minha, não só por uma herança genética, ou ancestral, mas por essa ficção que me forma e que foi forjada em grande parte por essas pessoas. eu nunca me identifiquei em nada com a minha família e acho que escutar memórias sempre foi algo que me conectou a eles. agora, embora ainda jovem me vejo tomando um pouco de noção de passagem do tempo, que de alguma forma é uma medida completamente inexata também. as memórias tem um outro peso, e penso que vão de alguma forma se tornar outra coisa, que ainda não consigo imaginar qual é. acho que daí vem os trabalhos de arte.

_ sua fala sobre o transformar da memória me leva a próxima questão, ao longo dos anos, realizando diversos trabalhos, também ocorrem diferentes leituras, de acordo com o tempo e estado das coisas. do início pra cá, como você enxerga tal transitoriedade?

refazendo ou não os caminhos já bifurcados e os bifurcando mais uma vez, seguimos cortando nossa fita de moebius, encarando a simultaneidade de frente e no fundo dos olhos. vou falar um pouco mais da minha formação enquanto pessoa, porque pode nos ajudar a pensar como me interesso tanto por essa ideia de que algo pode ou não acontecer, podemos ser ou não algo, me fazendo ser muito mais um borrão do que um risco – muito longe de ser um ponto. ao longo da minha infância, eu me mudei inúmeras vezes, não somente de casa mas também de escola, onde costumamos criar nossos primeiros vínculos em termos de socialização – ah, que engraçado se fazer através da educação, mas também da brincadeira. de alguma forma, sempre retornei a esse ponto de volatilidade em que uma substância muda de estado. era quase uma possibilidade de reinvenção constante, percorrendo inúmeros gestos e narrativas ficcionais, sempre muito referenciadas por signos da cultura “pop” por assim dizer. por instinto emocional, nunca criei muitos vínculos, com as outras pessoas ou com essas pessoas que eu criava para ser. pois é, quem se descreve pode não se limitar também, rs. um salto para quem sou no momento, completamente mareado por uma ressaca das subjetividades criadas em menos de 15 segundos para deglutição fácil, me vejo um pouco mais atento às transitoriedades, tentando passar longe desse desejo geral de criar um museu de si mesmo que duram 24 horas. meus trabalhos são formalmente inconformados, e vão passando por várias mídias que se situam em espaços “entre”, o que no fundo pareço estar me mostrando que a única constante da vida é a sua inconstância. a impermanência das coisas me apavora, mas também me fascina. então, sim, eu estou curioso para saber como vou pensar ou lembrar a mim mesmo nos próximos anos, também porque pensar a si mesmo é pensar tudo ao seu redor em profunda implicação, nada nunca separados – eu estou curioso ainda que nada otimista, vamos seguindo cortando nossa fita de moebius…

Lugar seguro, Instalação, 2018

_ em afemia (2021), você apresenta a dissolubilidade da memória em matéria. fale mais sobre esse trabalho!

afemia é um desses mistérios curiosos. um querido amigo meu, uma das minhas pessoas favoritas no mundo, chamado lucas alberto, me disse um dia que existem algumas disfunções de linguagem nomeadas, – acho que existem muito mais que não são nomeadas – uma delas, ele me contou, a afemia, na qual se sabe o que quer falar, mas não se sabe como. isso sempre me lembra que para podermos ser algo precisamos lembrar de quem somos. e a memória é um trabalho árduo, sabemos. gosto de lembrar, junto disso, que a etimologia da palavra “palavra” também vem de abrir caminhos na terra, lavrar. abrimos caminhos, mas precisamos nos lembrar como retornar através desses, como refazê-los, sempre bifurcando-os. nesse borrão que não se quer risco, não poderia caber em identidade alguma. a memória, de alguma forma, sempre foi matéria – sinapses, cargas elétricas em neurotransmissores, passado simultâneo ao futuro, sangue e palavra. me lembro de quem sou para ser algo que não sou, também.

Calo, Stills de Vídeo, 2020

_ morani, enquanto artista, indivíduo e corpo afrodescendente, você encara os apagamentos impostos por uma cultura historicamente e estruturalmente racista, levantado e não deixando apagar tais apagamentos em seus trabalhos. antes de prosseguir, gostaria de saber como é vista por você a importância de se desenvolver peças de arte como as suas num país retrógrado como o brasil.

recentemente li alguns trechos do livro “black and blur – consent not to be a single being”, escrito por fred moten, cujo título pode ser traduzido como “preto e borrão, consentir em não ser um único ser”. já nas primeiras linhas, moten prenuncia que seu livro se esforça em um particular caso de falha a qualquer determinação que possa delinear contornos ao problema enfrentado – isto é, a racialidade –, pois estes mesmos sujeitos racializados são sempre dissociados do lugar de enunciador desta narrativa sobre si, contraditoriamente. habitamos uma contradição, como se nos disséssemos: sim e não. neste ato, é representado o desaparecimento, a obliteração se faz a economia da identificação pelo regime da alteridade. reescrevo nas próximas linhas algo que gosto sempre de me lembrar das palavras de castiel vitorino brasileiro, em que ela nos alerta que a raça é uma distração que nos é imposta, um limite não somente psíquico como gestual, ao qual podemos forçá-lo contra o medo – da dor e do prazer – para mover. uma partícula quântica existe em um ou mais estados, enquanto ainda não for determinada. the black lives matter, a matéria das vidas negras, se faz escopo ao que pode ser lançado para fora e para além dos descritores espaço-temporais, por uma ética de profunda implicação, de diferença sem separabilidade, segundo os significantes manejados por denise ferreira da silva. abandonemos os descritores categóricos que dinamizam a repetição da performance de expropriação que serve como base para o capital – o devir-negro do mundo, trabalho 24/7, a escravização como efeito global da contemporaneidade. neste desenlace de uma inimizade ficcionada, não vejo motivos razoáveis para continuar trabalhando com artes no brasil. talvez em uma outra realidade, em uma outra bifurcação, a inimizade é amizade. esqueçamos para lembrar esses futuros.

_ ao falar sobre identificação, você me traz ao pensamento calo (2020), fala sobre ele?

“estive pensando que tenho um calo na garganta. / embrião de um esforço de falar, / calo.” esses são os primeiros versos do poema que escrevi e se desdobrou neste vídeo, como se bifurcasse. a identificação é sempre um jogo perigoso, ao meu parecer. quando falo, procuro atravessar esse jogo, profanando o lugar de onde os discursos emanam. contracorrente, a língua procura ir de encontro ao desejo – e não se reconhecer em nada do que já foi dito, escrito, falado, por nenhum mestre. imbricado a este gesto, existe um esforço que forma calos; nas mãos, nos olhos, na língua, na garganta. o campo de batalha é o espelho, espaço onde encontro esse embate. minha pesquisa retorna sempre a essa superfície fria, em que o vidro e aço são desmantelados de sua reflexão para revirar as diferentes camadas de significado que restam por debaixo, por detrás. existe aí uma curiosidade do que resta entre a profundidade e a aparência das coisas. me desvelo a mim mesmo nesta insistência, na qual encontro apenas uma maneira impossível de fazê-lo: espelhando também o tempo, o revertendo para que passado e presente se encontrem de uma maneira não tão óbvia. a ação se dá de trás para frente, de frente a este problema histórico que não se pode evitar: os efeitos globais da racialidade, matéria-prima ao colonial-capital. sou e não sou, por não desejar falar a partir de um ponto que me foi submetido e por desejar falar.

_ em o impossível (2019), você trata questões ligadas ao corpo, memória e tempo. fale mais sobre esse trabalho…

o tempo colonial também remanesce em vestígios materiais, em fenômenos-significantes que correspondem acumulações físicas à virtuais regidas pela mesma cena de valor econômico e ético, como já escrevi sobre um outro trabalho. o cais do valongo, localizado na zona portuária do rio de janeiro, é um desses significantes; assim como o meu corpo (cais-mar-embarcação) que é cotidianamente forçado a reencenar o passado em uma lógica que não faria mais sentido se as estruturas da arquitetura jurídica vigentes tivessem sido demolidas no tal momento da abolição. acredito que em algum tempo – em alguma bifurcação – estas estruturas foram sim abolidas, demolidas, ou sequer existiram. o tempo volta a ser espelhado nesse trabalho, em um desejo pela simultaneidade das presenças e presentes. este momento não poderia acontecer aqui e agora e por isso dou o nome de “o impossível” – assim como o desejo o é, por não se reconhecer em discurso de nenhum mestre. a perspectiva da paisagem, que se faria cartesiana, é desmoronada. nos esfacelamos, nosso corpo não passa de ruína afinal das contas. neste barco que não encontra cais a aportar, o contingente histórico encontra o coeficiente biológico, no qual todos estamos subordinados ao tempo da vida e da morte. como pode a densidade de uma memória permanecer matéria, fossilizar em solos necrosados? às vezes eu tenho essa mania de responder perguntas com outras perguntas, rs. é bom assumir as dúvidas, das quais me formo substancialmente.

_ morani, para finalizarmos, gostaria de perguntar sobre um trabalho específico. em reconhecimento, ou o pão nosso de cada dia (2018), você apresenta problemas e violências originárias do período da colonização, quando, afrodescendentes perdem a identidade e individualidade, sendo enxergados como instrumento de trabalho por colonizadores. essa característica se manifesta até hoje, na dificuldade que alguns indivíduos têm de encontrar raízes e origens, problemas não sofridos por quem não teve seus antepassados sequestrados por colonizadores. ao observar o trabalho, percebo a fragilidade e força que este exprime. a peça data de 2018, ao decorrer do tempo, nossos olhares apontam a modificação. fala sobre esse trabalho e como se deu o passar do tempo sobre sua relação com ele?

falar desse trabalho me emociona, foi o primeiro que expus na vida, o primeiro também que encaro de fato com a maturidade de um trabalho de arte. é feito materialmente de ausência: “a mais certa, a mais eficaz, a mais intensa, a mais indestrutível, a mais fiel das presenças”, como proust escreveu. eu nunca conheci minha avó materna, apesar de todos que já estiveram com ela em vida, apontarem semelhanças – principalmente, no olhar. uma dessas parecenças é que minha avó foi professora de artes e literatura, pelo estado do rio de janeiro, enquanto eu me vi artista muito através da educação. no entanto, nada do que foi feito pela minha avó enquanto uma educadora de arte foi preservado para que pudesse chegar a minha presença. nenhum esboço de pintura, nenhum objeto, nenhum desenho, nem um rabisco sequer. (enquanto são feitas exposições exclusivamente a rascunhos dos grandes nomes da arte…) os únicos vestígios materiais que encontrei deste acontecimento foram seus comprovantes de rendimento emitidos pelo governo, ao longo dos anos 1980. alguns até tinham umas coisas escritas, uma lista de compras aqui, um número de telefone acolá, apesar de já conhecer um pouco da sua caligrafia de outros documentos que também encontrei. da minha avó só me restou isso, resquícios burocráticos (coisa que tenho pavor, rs). fiquei pensando nisso, bem jovem, como tecer memória a partir dessa ausência? como suturar essa falta para olhar em seus olhos, tão parecidos com os meus, que só encontro em fotos 3×4? usei essa linha com uma cor parecida com a da minha pele, apesar de um pouco mais clara que a dela, para fazer um painel em que projetei o vídeo onde apareço comendo e cuspindo um pão, vendado com meu próprio rg. nunca nem sonhei com minha avó, acho que um pouco pelo que falei do sonho ser também memória, mas também vai ver ela não quer ser sonhada por mim ainda. de qualquer forma, insisto nessas continuidades: é muito importante para mim saber de onde vim para caminhar para onde vou. nesses caminhos, abrindo mais bifurcações.


[1] uma expressão, termo informal. popular ; pessoa que cumpre com extremo escrúpulo as obrigações do seu cargo. pessoa que exige de seus colegas e trabalhadores o cumprimento rigoroso das leis, regulamentos e determinações de serviço.


Clarisse Gonçalves 1998. Graduação em história da arte em andamento na UERJ. Pesquisadora e historiadora da arte situada no Rio de Janeiro. Atualmente pesquisa manifestações artísticas periféricas, negras, e afrodescendentes no estado do Rio de Janeiro. Bolsista do projeto “Mapeando Arte e Cultura Visual Periférica”.

EDIÇÃO ESPECIAL DA REVISTA DESVIO – IV PEGA: VIRTUAL

Edição Especial da Revista Desvio – IV PEGA: Virtual

Ano 7 | n. 1| Julho 2022

PDFs:
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Capa | Expediente | Equipe

Texto Editorial

Reflexões Galeria Bambo por Ana Noronha e Enrico Marchioni

Sumário

Artigo | Fotografia com celular: uma ferramenta de inclusão por Ana Bia Novais

Artigo | O arquivo pessoal como dispositivo de criação cênico-performativo ou tudo aquilo que faço como desculpas para não esquecer meu pai por Anderson José Caetano de Souza (Zé Caetano)

Artigo | A metodologia das três linhas e a curadoria ampliada: sobre os entremeios da criação do Museu de Imagem do Imigrante em realidade virtual por Camila Vieira

Artigo | Por uma outra imagem do humano: a série Jatobá de Rosana Paulino como exercício de descolonização imagética e epistêmica por Daniela Cassinelli

Artigo | Esvaziamento discursivo: a concretude de Mira Schendel por Gabriel San Martin

Artigo | A falsa sensação de se estar sozinho por Guilherme Tarini

Artigo | Bastidores da Pesquisa por Marcela Bautista Nuñez

Artigo | Entre a palavra e política: a poética visual de Mana Bernardes e Neide Sá por Mylena Godinho de Freitas

Artigo | A influência das gravuras de Théodore de Bry na construção do imaginário sobre o indígena por Raysa Blyth

Artigo | O sistema da arte indígena contemporânea como armadilha contracolonial por Sara Matos

Artigo | Para Leonilson por SEMA

Catálogo | Antimetatradição[global] por Clarisse G. S. Silva

Catálogo | Imagens do tempo, tempo das imagens por João Paulo Ovidio

Catálogo | Escritas em Imagens que permanecem por Mateus A. Krustx

Catálogo | Corpo: atravessado, irreal e alegoria por Natalia Candido

Estão abertas as inscrições para a 13ª edição da Revista Desvio!

Estão abertas as inscrições para a 13ª edição da Revista Desvio!


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Entrevista Myllena Araujo

De 1993, nascida e criada em Duque de Caxias (RJ), Baixada Fluminense, Myllena Araujo é fotógrafa, artista visual e educadora. Formada em Licenciatura em Artes Plásticas pela EBA/UFRJ, é mestre em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas pela FEBF/UERJ. Seu corpo é parte do processo que desenvolve em deslocamento enquanto mulher periférica, dialogando com as barreiras físicas e sociais que as distâncias promovem a regiões não legitimadas.

Instagram // Site // O mundo Virado

CORPEMBOLADO, Desenho Digital, (2021)

_ Myllena, sendo graduada em Artes Plásticas pela UFRJ, comente um pouco sobre sua trajetória pela universidade?

Entrei em Setembro de 2012 e me formei em Abril de 2018. Foram 6 anos de Escola de Belas Artes, vivendo a UFRJ em todas as suas nuances, maravilhas, greves, incêndios, trabalhos, jornadas de iniciação científica, festas e estágios. Como uma artista que se faz atravessar pelos percursos, acho importante destacar as segregações sociais e espaciais surreais impostas pela graduação, como o fato do curso de Licenciatura em Artes Plásticas ter disciplinas obrigatórias no campus do Fundão, Centro, Praia Vermelha e Jardim Botânico, onde o estudante que se vire para estar às 07:30 da manhã na primeira aula ou para sair às 21:00 da última. Enquanto corpo que viveu e adoeceu por isso, conseguir me formar sendo moradora do segundo distrito de Duque de Caxias foi desafiador e por vezes me pareceu impossível-eterno. Dentro dessa jornada, para a minha sanidade, o que eu mais fiz foi transformar minha inquietação social e espacial em projetos de vida e arte. Foi assim que em 2016 nasceu FLUXO, uma fotoperformance onde acontece um moer de carne em praça pública, na rua da Carioca. Esse trabalho surgiu depois da minha primeira crise de pânico, episódio que ocorreu dentro de um ônibus em Duque de Caxias. Depois dessa crise foram muitas outras e em sua maioria dentro do coletivo lotado, em pé, carregando mochila pesada, presa no engarrafamento. Cenário sufocante e angustiante para um corpo adoecido de cidade, adoecida dos percursos longos diários e da pressão que é viver o grande fluxo, essa grande máquina de moer gente.

Um ano antes deste trabalho em crise, nasceu a série fotográfica TRANSITU, onde eu sobreponho uma foto minha e uma foto de um outro fotógrafo, Bruno Guimarães, ele morando em Niterói, vai para o trabalho em Botafogo de bicicleta e barca, enquanto eu preciso andar, pegar trem e ônibus para conseguir chegar no mesmo ponto da cidade. E nessa sobreposição e contradição de caminhos-paisagens realizamos a mostra TRANSITU, que ficou em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), em 2016, com a curadoria de Claudia Elias. Para além do grande drama de viver os deslocamentos, estar na universidade foi maravilhoso, ser instigada a descobrir técnicas novas e trabalhar processos em ateliê foi fundamental para expandir o meu olhar, o meu corpo e as minhas mãos que já estavam pré moldadas e tendencionadas à fotografia. E é claro que eu não fugi disso, por mais que dentro do meu curso não tivessem disciplinas obrigatórias em fotografia ou afins, busquei sempre me aproximar dessa linguagem, trabalhando como fotojornalista para a Coordenadoria de Comunicação da UFRJ, sendo monitora das disciplinas de Fotografia Analógica, do antigo Laboratório de Fotografia da UFRJ e atuando como bolsista colaboradora do Curso de Extensão Investigações Fotográficas que acontece no CAp-UFRJ. No final, minhas pesquisas e desdobramentos sempre acabavam em fotografia ou em alguma coisa ligada à ela, como colagem, intervenção digital, performances e fotoperformances.

MYLLENA E BRUNO_TRANSITU_CCJF_2016

_ Em sua relação entre corpo e cidade, você encara e sofre diversos atravessamentos que se configuram no que é seu criar enquanto mulher que encara o caos urbano. Em Multiplicidade (2012), é apresentada uma coleção de fotografias em preto e branco, que, visualmente, se dispõe na repetição. Ao pensar neste trabalho, vejo impressa a repetição de percursos, esses seus, e de outros corpos que também habitam a cidade. Durante o desenvolvimento de Multiplicidade (2012), quais processos fizeram parte do trabalho concluso?

Antes de Multiplicidade, as minhas fotografias se davam dentro do meu bairro, ainda eram ingênuas enquanto projeto. Eu buscava mais devorar, absorver e entender tudo aquilo que eu via. Aliado a isso, sempre gostei muito de testar os limites da minha câmera digital automática, uma CyberShot, aquela típica dos anos 2000, a única que tive acesso por muitos anos. E foi com uma dessas que eu desenvolvi a série Multiplicidade em 2012, ao encontrar nas configurações do aparelho um modo de captura que registrava 16 quadros por disparo. Percebi que com esse mecanismo poderia criar montagens instantâneas, e foi assim que comecei a pesquisar a rua a partir dessa modelagem, alinhando vigas, postes, tentando alcançar passadas, me aproveitando do movimento do ônibus para realizar as capturas simultâneas, enfim… organizando e desorganizando os trajetos a partir de como o meu corpo realizava o disparo. A escolha pelo monocromático nessa série se deu no momento em que eu entendi a força gráfica desses encaixes de cidade dentro dos quadros, ali eu vi que a cor não seria uma aliada diante de tanta informação, construção e movimento, então passei a fotografar com a opção monocromática ativada na câmera direto na hora da foto. Dentro dos meus outros trabalhos ao longo desses anos, é possível perceber uma fotografia com muitas camadas, sempre busco formas de entregar a imagem para além do registro puro e simples, gosto das informações cruzadas, do movimento, das linhas se sobrepondo e do volume. Eu sinto a rua assim, em volume, em constante movimento e intensidade. Continuo usando camerinhas automáticas para realizar minhas capturas na rua, gosto de como esses processos me levam para um outro resultado estético, diferente dos registros profissionais, o acaso e os modos de conseguir burlar o automatismo dessas camerinhas me fascina, gosto de jogar com elas. Além disso, me sinto menos intrusa nessa relação de apontar e disparar em público, e no público, esse ato na fotografia por vezes pode ser muito violento, sempre tive muito medo e cuidado para não ser uma invasora, por isso antes de levantar a câmera eu procuro me certificar se o ambiente está favorável para tal ato e em qualquer sinal de desconforto eu recuo, em respeito.

Enquanto mulher que encara o caos urbano, percebo que a fotografia ainda é um campo muito masculinizado, e quando paramos para pensar sobre a fotografia de rua, os grandes nomes mundiais e nacionais acabam, em sua maioria, ainda se voltando para homens, com isso, confesso que demorei praticamente esses 10 anos para entender o meu gênero dentro do meu próprio trabalho e principalmente na rua. Não é fácil ser uma artista visual que coloca o corpo em um embate que, por vezes, nem nos é legitimado. Acabo tocando em um assunto que nem parece pertencer ao universo feminino, já que flanar é um ato historicamente masculino. Logo, estou agora, em 2022 entendendo e reconhecendo o meu ser-mulher-na-rua, é um processo, mesmo sabendo que essa minha leitura e esse meu olhar enquanto artista mulher me atravessa desde sempre, quero agora poder me relacionar com mais força e mais intenção sobre isso.

Percurso, Colagem digital de trajetos, (2020)

_ Sendo mestre em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas pela UERJ, você comunica com clareza o impacto de existir na Baixada na sua vida e obra. Durante essa etapa, quais caminhos você percebe modificarem sua percepção com relação a arte educação?

Durante o mestrado encontrei na escrita e nos relatos de campo uma outra forma de desenvolver o meu olhar e a minha percepção para as minhas vivências, e isso foi muito rico. Deixo aqui um trecho da minha dissertação de mestrado “Entre Mapas e Mundos Virados: O olhar fotográfico do jovem morador da Baixada Fluminense”, no qual eu relato a minha chegada à estação de trem de Jardim Primavera para iniciar a minha pesquisa de campo:

O trem balança mais de Gramacho pra cá, a maciez do trilho se perde em meio a tanto remelexo e bateção. Próxima estação Jardim Primavera, desço enfim na penúltima estação do ramal Saracuruna. Passarinhos em canto estridente me recebem já na plataforma, mas diferente de algumas estações de metrô da Cidade do Rio de Janeiro, o som não sai de alto-falantes e sim dos pulmões dos moradores da plataforma, que sobrevoam e fazem seus ninhos em meio às pilastras. Fui recepcionada pelos passarinhos e em seguida por duas senhoras com panfletos em punho que diziam: Jesus te ama. Tudo parece estar no mesmo lugar, cada som, morro e buraco, mas eu não estou mais, o horizonte daqui parece raso, me sinto gigante, as linhas são finitas e para onde eu olho vejo um limite, como em um globo de natal, uma redoma protege, abafa e limita as minhas possibilidades nesse mini-mundo. (ARAUJO, 2021, p. 54)

Foi muito importante entender como a minha cabeça e o meu corpo comportam o meu bairro hoje. Entendo e percebo o quanto que eu sou ele e o quanto dele cabe em mim. Mas essa não é uma relação onde a cidade me engole, a rua Maturim não me ocupa por completo, ela é o meu molde, a minha raiz. Quando eu me senti devorada, precisei enfrentar e consegui dobrar de tamanho. Entendendo essa minha relação com o meu bairro, busquei no mestrado realizar um levantamento sobre como havia sido a minha trajetória educacional em cursos gratuitos e projetos sociais ofertados para a população, relacionando com as distâncias que precisei percorrer para enfim participar dos cursos. A partir de então, me dei conta que dos 09 anos de idade até os 19 anos eu concluí 10 cursos, sendo estes dos mais variados, todos gratuitos. Percebi também que, conforme eu crescia, esses caminhos também cresciam, se alongavam, as distâncias se faziam cada vez mais difíceis. Comecei aos 09 com o balé pelo Projeto Luar aos sábados pela manhã, ia à pé com a minha mãe, até que aos 19 anos para cursar fotografia na Escola de Arte e Tecnologia Spectaculu eu precisava todos os dias pegar um ônibus 5h da manhã para conseguir chegar na aula às 08h. E foi a partir dessa análise temporal de mapas que nasceu em 2020 a colagem digital Percurso, onde meu corpo é suspenso, envolto e absorvido por esses caminhos que fazem parte da história da minha vida. Marcado no mapa da ponta da minha casa, indo de curso em curso, essas linhas foram se alongando e me formando. Enquanto meu corpo crescia, elas também cresciam e se multiplicavam cada vez mais. Em 2021, a colagem digital Percurso foi exposta na mostra coletiva Poéticas Femininas da Periferia, no Paço Imperial (RJ).

Para além das descobertas e inquietações internas provocadas a partir da pesquisa, é importante ressaltar quão gratificante foi poder trocar com jovens de 17 a 25 anos, moradores de diversas cidades da Baixada Fluminense sobre como eram suas vivências, realidades, questões, maravilhas e lutas enquanto moradores de regiões tão ricas e por vezes tão precarizadas. Poder provocar a imagem fotográfica neles foi a minha força motriz de pesquisa, entender o olhar desses jovens para com a sua rua e realidade foi como devolver e multiplicar para o mundo o meu próprio olhar e o sentimento do que é ser e estar na Baixada Fluminense. São fotografias lindas, potentes, cheias de significado e desejos de mundo.

Quem tem medo da Central do Brasil_, Fotografia, (2017)_

_ Myllena, tendo origem em Caxias, o espaço se transforma em trabalho e arte. Conta mais sobre isso?

O meu trabalho é sobre o meu ambiente. A minha pesquisa existe porque o meu corpo foi moldado e forjado para viver a experiência de ser e estar na Baixada Fluminense. Encontrei na fotografia um lugar de apoio necessário para evidenciar minha rotina, meus caminhos, minhas dores e amores com esses percursos. A maneira que eu consegui e consigo até hoje expressar tamanho envolvimento e entrega é a partir dos meus trabalhos visuais. A Baixada por si é gigante, falando só sobre a minha cidade, em Duque de Caxias são quatro distritos, é terra que não tem fim, são muitos bairros, muitas histórias… o que posso garantir enquanto corpo ativo em deslocamento entre cidades, é que apesar da imensidão, o que nós temos em comum, inclusive em toda a Baixada Fluminense, são os deslocamentos obrigatórios para outras regiões somado à falta de conexão para que haja uma locomoção saudável da população. E isso acontece inclusive no micro, dentro de seus próprios distritos, nada é muito interligado. Essa não conexão é o ponto chave da minha inquietação e pesquisa, percebo o quanto de vida foi e vem sendo esvaziada de sentido todas as vezes que preciso estar de pé num ônibus lotado, pagando caro, me mantendo por três horas na Avenida Brasil apenas para conseguir chegar na universidade.

_ Atuando enquanto fotógrafa e artista visual,  você sente alguma convergência entre as bases escolhidas para suas manifestações artísticas?

Não sinto uma convergência, dentro de mim tudo é uma coisa só. Sou artista visual e o meu suporte é a fotografia. Hoje eu tenho trabalhos que foram expostos em instituições onde eu assino como fotógrafa e tenho outros que assino como artista visual. Essa diferença ao meu ver se dá muitas vezes mais externamente do que internamente, porque o que sai de mim é imagem, a diferença se dá na aplicação, no projeto no qual eu estou envolvida ou em como a instituição lê o meu trabalho. A série Multiplicidade, por exemplo, é um trabalho autoral em fotografia, ele já foi exposto em festivais que tem a fotografia como linguagem única, mas também já participou de mostras de artes visuais e arte contemporânea. Quando eu me volto para os desenhos e as colagens, eu busco sempre apoio nas imagens, sejam mapas, registros que eu mesma fiz, imagens de cabeça que vem pela memória… de alguma forma o meu desenho e a minha produção para além do click também advém da foto.

_ Enquanto arte educadora, diversos acontecimentos envolvem você ao decorrer dos anos. Entre cursos, ocorre uma enorme troca de saberes. Conta mais sobre sua atuação nesses espaços de troca?

Eu decidi que seria professora de artes muito antes de entender que poderia ser artista visual e fotógrafa. Essas são possibilidades recentes na minha vida, frente à certeza de que teria alguma garantia mínima de emprego escolhendo ser professora de artes, pelo menos essa era a sensação que eu tinha aos 14 anos de idade, quando ainda no ensino fundamental escolhi o que seria quando crescer. Assim que comecei a estudar as disciplinas de educação da Licenciatura, entendi que era esse o meu caminho. A educação para mim é ferramenta primordial para a transformação social que tanto almejamos, tudo advém do ato de apreender o mundo, compreender as coisas e o outro, e isso é arte-educação, é sobre possibilitar outras formas de ver, sentir e se expressar na vida.

Na graduação fui estagiária de turma e bolsista em projetos de arte-educação. Antes mesmo de estar em sala de aula na educação formal, experimentei a praça pública como meio de dialogar com o outro, com o projeto que desenvolvi intitulado O Mundo Virado na Praça, onde venho desde 2017 realizando oficinas de câmera escura em praças de regiões periféricas no Estado do Rio de Janeiro. Além disso, esse projeto também foi executado com a comunidade Kuikuro, no Alto Xingu, em uma residência artística na qual pude desenvolver todas as minhas formas de lidar com o mundo a partir da fotografia, das artes visuais e da arte-educação. Foram 15 dias de muita entrega, muita troca e aprendizado, dali saíram trabalhos que até hoje reverberam mundo afora.

Na educação formal atuei como professora substituta do Colégio de Aplicação da UFRJ, trabalhando com estudantes do Ensino Fundamental, foi uma outra forma de me relacionar com a arte e com a educação, ali eu tive o processo de elaborar junto com as crianças um ano inteiro de repertório, análises, projetos, leituras de obra, execuções em desenho, pintura,  fotografia e corpo. Poder observar esse desenrolar e desenvolver é maravilhoso e gratificante. Atualmente estou atuando enquanto educadora do projeto de Formação Inicial e Continuada, uma parceria entre o SENAI/FIRJAN e a SEEDUC, onde eu atuo em um Colégio Estadual, em Duque de Caxias, no contraturno dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio, oferecendo os cursos de Fotografia e Vídeo com smartphone. Estar em sala de aula faz toda a minha trajetória enquanto artista periférica ter sentido, é através dessas trocas, do diálogo e da provocação com o outro que consigo ver portas e possibilidades de mundo se abrirem, poder presenciar isso é forte demais.

_ Desde 2020, encaramos uma pandemia mundial, que afeta vidas, rotinas, corpos e mentes. Enquanto artista e arte educadora, quais os maiores desafios e realizações afetam você e seus ambientes desde o início da pandemia?

Nossa!!! A pandemia virou o mundo do avesso. Na minha cabeça também não foi diferente, meu corpo sentiu muito a imobilidade. Procurei recursos para conseguir circular e graças aos incentivos culturais pude então mergulhar em estudos, propostas, mentorias e editais de fomento à cultura de forma remota. Mas para além dessa rede de apoio também precisei me reinventar em todos os aspectos. Enquanto educadora, em 2020, estava atuando no Colégio de Aplicação da UFRJ, e tivemos que reorganizar a escola diversas vezes de acordo com as necessidades, mês a mês, promovendo encontros virtuais quando possível a fim de manter essa relação entre os estudantes e o corpo escolar, cuidando sempre da realidade de cada família, entendendo as necessidades de urgências de todas as nossas vidas ali naquele contexto de ensino remoto. Vivemos grandes distâncias, desafios enormes, mas conseguimos atuar nesse ano de incertezas com muito afeto, dedicação e amor pela educação.

Minha pesquisa de mestrado também foi completamente atingida por esse contexto, a rua que tanto me atravessa precisou ser colocada no campo das ideias, conversamos sobre deslocamentos, vivências, experiências e sensações a partir de telas, tudo precisou acontecer de forma remota. O lado positivo foi conseguir um público diverso participando dos encontros, mas com certeza não poder intervir na cidade com os nossos corpos em ação, fotografando enquanto coletivo foi uma perda que ainda pretendo conseguir recuperar. Espero que em breve aconteça uma saída fotográfica presencial com os jovens participantes do projeto Entre Mapas e Mundos Virados.

Até hoje venho colhendo esse outro modo de ser e ocupar, por mais que em alguns lugares tudo parece que já tenha voltado ao normal, ainda existe uma aura de medo circundando a gente enquanto massa que aglomera nos transportes públicos – eu, por exemplo, continuo fazendo uso de máscara em lugares fechados ou ambientes muito cheios. Por mais que seja sutil, estamos vivendo um outro jeito de olhar para o que é o público e privado dentro desses coletivos urbanos, e isso ainda se faz muito recente, estou tentando absorver, tentando entender como lidar, como perceber, como viver e sobreviver.

_ Atualmente você integra o “Coletivo Na Borda”, fala mais sobre isso?

Nos conhecemos através da mentoria artística do Projeto Artistas Latinas, e a partir desta iniciativa, criou-se uma rede de apoio e estímulo à produção artística entre nós. Apresentamos o corpo em borda, que pulsa e produz em trânsito enquanto um coletivo que é atravessado pelo território e cultura local, entendemos que a cidade também pode ser construída para além das imposições de gênero e delimitações territoriais: ressignificando dores e vivências, criamos estratégias, existindo entre um corpo e uma cidade que oprime, com isso, questionamos sobre a vulnerabilidade que o sistema patriarcal gera em nossos corpos e identidades. Somos um coletivo recente, iniciamos em 2021, estamos nos apoiando na elaboração de projetos para exposições e desejamos construir muitos trabalhos enquanto um grupo que pensa, sente, questiona e dialoga sobre a rua, a cidade, a periferia, o feminino e suas implicações diante do mundo. Somos sete artistas integrantes do coletivo Na Borda,  oriundas de diferentes regiões periféricas do Estado do Rio de Janeiro, LGBTQIAP+, de gêneros Feminino Cis e Não Binário, composto por:

Ana Bia Novais, artista visual e educadora, que vive e trabalha na Zona Norte do Rio de Janeiro, Ana Brito, cria da Ilha do Governador, artista visual, produtora cultural e empreendedora. Bia Gonçalves, artista visual e produtora Cultural, criada em Duque de Caxias, mas que atualmente mora em Santa Marta, periferia do Rio de Janeiro, Claudia Diaz TS, artista visual, pesquisadora PIBIC de Arte e Política e advogada, Cyntia Dias, artista visual, moradora de São João de Meriti, e Roberta Vaz, fotógrafa, moradora da Pavuna.

_ Durante esse longo caminho, que esse ano completa uma década, você afeta e é afetada por diversos atravessamentos, obstáculos, ruas, bairros e indivíduos, além de também conquistar saberes e percepções. Ao decorrer dos anos, quais as maiores mudanças percebidas por você enquanto pessoa, artista e arte educadora? Como tudo isso moldou, e molda você, seus saberes e ambientes ?

Naturalmente e felizmente venho amadurecendo muito dentro do que eu faço, procuro sempre estudar mais e aprender melhor sobre esses processos. Posso destacar aqui um ponto importante, um erro que já cometi no passado e se não me cuidar posso acabar cometendo. Confesso que por muito tempo vi Duque de Caxias como um lugar somente de escassez, onde sempre haviam grandes lacunas a serem preenchidas por outras cidades, principalmente pela capital do Estado do Rio de Janeiro. É claro que ainda não temos tudo, mas isso não significa que não temos nada, pelo contrário, Duque de Caxias produz sim muita arte, muita cultura, somos detentores de histórias, de saberes, partilhamos conhecimentos, temos projetos incríveis sendo movimentados por articuladores e artistas que são cria da Baixada. Reconhecer e estar junto dos meus me fez perceber como esse discurso do vazio faz com que muita gente, inclusive eu mesma, se torne invisível, e desta forma acaba que ninguém se reconhece entre si. Tem muita gente fazendo muita coisa, muito artista movimentando a cena e é preciso somar sempre, ganhar corpo, estar junto, botar a cara. Ao longo desses anos conheci tanta gente importante, tantos projetos me formaram e moldaram, inclusive, deixo aqui o meu muito obrigada ao artista plástico Paullo Ramos (in memorian), que dedicou sua vida ao ensino do desenho e da pintura em Duque de Caxias, eu tive a honra de ser aluna dele por alguns meses, uma aluna de 17 anos bem rebelde que mesmo amando as artes detestava as regras do desenho técnico, mas precisava dessa expertise para conseguir passar na antiga prova de THE (Teste de Habilidade Específica) da UFRJ. Atualmente, venho trocando com tanta gente bacana, são referências, projetos e figuras históricas que continuam somando como o Goméia Galpão Criativo comandado pelo artista, pesquisador e cineasta Heraldo HB, o Coletivo Baixada Cruel comandado pelas articuladoras políticas Esther e Giselle, o Projeto Luar de Dança que há mais de 30 anos vem fomentando as artes em Duque de Caxias, o coletivo Movimenta Caxias organizado pelo educador popular Wesley Teixeira, o FAIM Festival comandado pelo artista visual e pesquisador Osmar Paulino, o Coletivo BXD Lambe, o pintor Lucas Finonho, o artista plástico Raoni Redni, Coletivo Artivismo BXD, a artista Malê, o pesquisador e curador João Paulo Ovidio, entre tantos outros que com certeza estou deixando de fora por me falhar a memória. São nomes, histórias, projetos e pessoas que abrem possibilidades e fazem acontecer, tenho muito orgulho de ser parte disso também, com eles me sinto inteira.

_ Myllena, pra finalizar, após todos esses anos, com suas mais variadas inquietações e prazeres, quais caminhos, ainda não encarados, você deseja trilhar?

Tenho muito desejo de mundo, quero devorar muita coisa por aí ainda. Gosto do banal, do cotidiano, gosto do volume, da vida girando dentro da imagem, para sempre. Eu gosto dessa eternidade em movimento, a rua me traz esse infinito, a fotografia atesta. Se tudo der certo, ainda tenho muitos anos de vida pela frente e eu tenho certeza que por mais que eu continue explorando, jamais vou conseguir esgotar a experiência do que é ser e estar por aí, em circulação.


EXPOSIÇÕES COLETIVAS

2022 – World Creativity Day – Duque de Caxias – RJ

2022 – O urbano entre realidade e utopia – Festival de Fotografia de Tiradentes – MG

2022 – The urban between reality and utopia – Rotterdam Photo Festival – NL

2022 – Nova Vanguarda Carioca – Cidade das Artes – RJ

2021 – Mostra Suburbanidades: O lugar da periferia na arte contemporânea – Museu de Arte Contemporânea de Niterói – RJ

2021 – Mostra Luz del Fuego – Exposição fotográfica em forma de Lambe Lambe – Buenos Aires – AR

2021 – Mostra Luz del Fuego – Exposição fotográfica em forma de Lambe Lambe – Cachoeiro de Itapemirim – ES

2021 – Mostra de Artes Visuais da Baixada Fluminense – MAV Baixada 2021 – Online

2021 – Mostra Poéticas Femininas na Periferia – Artistas Latinas – Paço Imperial – RJ

2021 – Mostra Poéticas Femininas na Periferia – Artistas Latinas – Online

2021 – 17ª Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza – Oca Red – Instalação de Gringo Cardia e Takumã Kuikuro – IT

2020 – Mostra EAV 2020 Parque Lage – Online.

2019 – Exposição fotográfica – O mundo com outros olhos – Pavilhão das Artes Riocentro – RJ

2018 – Xingu Exchange Tate -Tate Modern -Londres

2018 – Xingu Village – Horniman Museum – Londres

2017 – Exposição “Luzes da Aldeia”, “A performance da masculinidade dos Kuikuros” e “Forças da Natureza” – Oi Futuro Flamengo – RJ

2016 – Exposição “TRANSITU” no Centro Cultural da Justiça Federal – RJ

2016 – Performance Gambiarra Lab – Festival Multiplicidade – Oi Futuro do Flamengo – RJ

2016 – Performance Gambiarra Lab – Galpão Bella Maré – RJ.

RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS

2021 – Mentoria Artística Poéticas Femininas na Periferia – Artistas Latinas – RJ

2017 – Residência Artística no Alto Xingu – Desenvolvimento de projetos artísticos, fotográficos e educacionais – MT

2016 – Residência Artística Gambiarra Lab – Galpão Maré – RJ

PROJETOS AUTORAIS DESENVOLVIDOS

2021 – Curso online Entre Mapas e Mundos Virados – Fotografia e Cidade

2021 – Curso online de Fotografia Básica – Te vi na Luz

2017 – Oficina O mundo Virado na Praça – Câmera Escura

2016 – Oficina de Fotografia Digital Básica – Investigações Fotográficas

GRUPOS DE ESTUDOS E PESQUISAS

2022 – Participante do Coletivo Na Borda

2021 – Participante do Campo Experimental da Imagem – UERJ

2019 – Participante do Núcleo de Pesquisa Educação e Cidade – UERJ

2016 – Colaboradora do Curso de Extensão Investigações Fotográficas – UFRJ


Clarisse Gonçalves 1998. Graduação em história da arte em andamento na UERJ. Pesquisadora e historiadora da arte situada no Rio de Janeiro. Atualmente pesquisa manifestações artísticas periféricas, negras, e afrodescendentes no estado do Rio de Janeiro. Bolsista do projeto “Mapeando Arte e Cultura Visual Periférica”.